Como saber se uma fazenda produz de forma sustentável? E o que fazer para que ela produza dessa maneira? Um software desenvolvido pela Embrapa deve ajudar o produtor rural a responder essas questões. A Fazenda Pantaneira Sustentável, ou FPS, é uma ferramenta que avalia os processos produtivos da pecuária de corte local para conhecer o nível de sustentabilidade das propriedades – tanto nos diferentes aspectos que envolvem o sistema de produção quanto na fazenda como um todo. Segundo Sandra Santos, pesquisadora da Embrapa Pantanal que coordena o projeto, com a FPS é possível avaliar o impacto da atividade pecuária sobre o sistema produtivo e identificar quais aspectos estão abaixo do nível desejado para que a propriedade rural se torne sustentável.
Para entender a análise feita pela ferramenta, é necessário conhecer o conceito de sustentabilidade, que não significa apenas preservar o meio ambiente. "A sustentabilidade de uma fazenda é um equilíbrio entre os aspectos do sistema produtivo que considera as dimensões econômica, social e ambiental", diz Sandra. Por isso, ela afirma que essas três áreas são avaliadas igualmente na leitura da FPS através da análise dos chamados "indicadores", que são os itens e fatores relevantes para determinar o grau de sustentabilidade da propriedade, como a manutenção da biodiversidade, conservação dos recursos hídricos, pastagens, manejo e bem-estar animal, além de aspectos financeiros e sociais.
Como funciona?
Para usar o software, o pecuarista precisa de um computador com acesso à internet. O produtor ou o assistente técnico verifica os diferentes aspectos dos registros sobre a fazenda, a partir de medidas como o escore corporal das vacas, por exemplo. Depois, ele entra no sistema da FPS e dá notas aos indicadores. A partir daí, o software gera uma nota final que integra as informações de todos os índices, produzindo um relatório para dizer se a fazenda está sustentável ou não e mostrando quais aspectos têm que ser melhorados para que ela se aproxime dessa sustentabilidade, segundo Silvia Massruhá, chefe-adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Informática Agropecuária – unidade parceira da Embrapa Pantanal na criação da FPS.
As duas pesquisadoras afirmam que os estudos feitos para definir os indicadores duraram cerca de dez anos e contaram com a contribuição de vários especialistas em diversas áreas. Usando uma técnica de inteligência computacional conhecida como "Fuzzy", Silvia conta que a avaliação da FPS qualifica os diferentes aspectos da produção rural em conceitos como "adequado", "inadequado" ou "moderado", por exemplo, adaptando-se à realidade dinâmica da fazenda. "É um sistema de apoio à tomada de decisão. É importante que ele seja usado com uma consultoria ou em contato com alguém da Embrapa para que um especialista possa orientar sobre os procedimentos que podem melhorar os processos produtivos", diz a pesquisadora.
Certificação da carne sustentável
Neste ano, a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO) e a empresa nacional Korin Agropecuária, que trabalha com itens orgânicos e sustentáveis, propuseram uma parceria com a Embrapa para usar a FPS na certificação da carne sustentável do Pantanal. Dessa forma, todos os produtos da região aprovados pela análise da ferramenta teriam um selo comprovando a origem e métodos de produção. Segundo Leonardo de Barros, presidente da ABPO, a FPS será testada pelos técnicos da Associação em breve. "Com a prática, vão surgir questões sobre a ferramenta que vão precisar de adaptações (...). É esse trabalho que vai começar agora: devemos fazer as primeiras avaliações nas propriedades da ABPO nos próximos meses e vamos utilizar essas avaliações para preparar novos técnicos que possam usar a ferramenta", diz Leonardo.
A produção de pecuária orgânica no Pantanal também recebe, desde 2003, o apoio da WWF-Brasil por meio de uma parceria firmada com a ABPO. Para Ivens Domingos, especialista em pecuária sustentável da WWF, a ferramenta da Embrapa tem grande importância para estimular essa atividade produtiva, assim como o consumo desses produtos. "O desafio, agora, é como a gente vai conseguir, junto à Associação e às fazendas, adaptar a FPS para que ela possa ser usada pela ABPO e pelo parceiro comercial como ferramenta de transparência e de marketing", afirma o técnico. "Esse índice vai ser uma garantia e uma segurança para que não só a WWF, mas outras entidades da sociedade civil possam apoiar essas fazendas".
Sustentabilidade no campo
A FPS começou a ser aplicada em algumas fazendas da região do Pantanal ao longo do ano de 2014. Um dos produtores que testaram a tecnologia foi Paulo Mainieri, proprietário da Fazenda Cantagalo, que fica na região do Paiaguás, Mato Grosso do Sul. "Ao fazer essa parceria com a Embrapa, já conseguimos alguns dados que, de outra forma, seriam bem complicados de se obter, como uma avaliação mais científica do nosso campo", conta Paulo. Ele fala que a análise da FPS é fundamental em uma região de ambientes tão diversos quanto o Pantanal, onde nenhuma propriedade é igual a outra. "O uso da ferramenta ajuda a identificar as necessidades da fazenda de forma personalizada", diz o pecuarista.
Com a ajuda da Fazenda Pantaneira Sustentável, Paulo diz que avalia as práticas da propriedade para aproximá-las de um modelo sustentável e melhorar a produtividade da fazenda ao mesmo tempo. "É preciso ter essa relação de respeito com a natureza, realizando atividades econômicas e trabalhando em harmonia com o lugar onde você está", conta. Para alcançar a sustentabilidade, o pecuarista também afirma investir em iniciativas na área social, promovendo a participação dos empregados nos lucros da fazenda como forma de valorizar a mão de obra e o conhecimento tradicional que agregam valor à produção. "A gente tem que estar de mãos dadas com o pessoal local e não acima deles", completa o pecuarista.
Perspectivas do mercado
Tanto o pecuarista Paulo Mainieri quanto a ABPO e a Korin Agropecuária trabalham para atingir um grupo consumidor de crescente expressividade no mercado – um público que valoriza os benefícios e dá preferência a produtos comprovadamente orgânicos ou sustentáveis, mesmo que eles ainda possuam um preço mais alto em relação aos comuns. Um exemplo disso está nos números da Korin. Segundo Reginaldo Morikawa, diretor-superintendente da empresa, o faturamento em 2007 foi de aproximadamente 17 milhões de reais. Para 2014, a previsão é que a Korin feche o ano com um faturamento de 90 milhões, de acordo com o diretor. "Hoje, temos cerca de 200 itens em venda, com aproximadamente 40 variedades de produtos", afirma.
Ainda segundo Morikawa, a empresa realizou no fim de 2014 o lançamento oficial da carne bovina sustentável em parceria com a WWF-Brasil, ABPO e o Grupo de Trabalho de Pecuária Sustentável (GTPS). Abatendo atualmente cerca de 90 animais por mês, a expectativa do diretor é que esse número aumente para 150 nos primeiros meses do próximo semestre. Para ele, a certificação emitida pela FPS da Embrapa dá embasamento às informações na embalagem do produto. "Com o bovino sustentável do Pantanal, queremos valorizar o aspecto ambiental, a pureza da carne, a inclusão social e a tradição", diz Morikawa. "Ao adquirir o produto pantaneiro, o consumidor passa a fazer parte da preservação daquele ambiente", completa o diretor.
O preço da sustentabilidade
Embora o valor pago pelos produtos sustentáveis ainda seja maior que o dos comuns no supermercado, o pecuarista Paulo Mainieri ressalta: "o lucro da venda pode ir para o produtor, mas o benefício que acontece com a terra que ele preserva é para todos". O estímulo à produção sustentável também pode acontecer em outras regiões do Brasil com a adaptação da FPS, que tem potencial para ser utilizada em diversos locais do País, segundo a pesquisadora Sandra Santos. Ela afirma que o uso da ferramenta para a certificação de produtos é uma das maneiras de viabilizar a sustentabilidade na produção pecuária brasileira. "Vai estimular o retorno econômico para o produtor enquanto ele conserva o meio ambiente, fixando o homem do campo", diz.
Para manter a atividade produtiva sustentável, o presidente da ABPO ressalta a necessidade de conscientizar outros elos da cadeia – como o setor de varejo e os frigoríficos, por exemplo – sobre a importância desse tipo de trabalho. "Quem faz a revolução da sustentabilidade é o consumidor. São as nossas escolhas", afirma Leonardo. Para Sandra Santos, é nesse ponto que a análise da FPS torna-se necessária: para ajudar a determinar o valor que deve ser atribuído ao que, antes, não era medido. "Enquanto a gente não quantificar a produção sustentável, não temos co mo lutar para que isso tenha preço. A partir do momento em que nós possuímos uma ferramenta para comprovar que o produtor conserva, temos tudo para que ele receba uma compensação financeira por isso", conclui.
Texto: Nicoli Dichoff
Núcleo de Comunicação Organizacional (NCO)
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