Incertezas financeiras preocupam cientistas para 2015
Herton Escobar no Estadão em 24/07/14
Contingenciamentos, redução do FNDCT e lançamento de um grande programa federal voltado para inovação tecnológica preocupam pesquisadores que participam da reunião anual da SBPC, no Acre. Ministro de Ciência e Tecnologia garantiu que a ciência básica será preservada e que programas atuais não serão prejudicados pelas novas políticas
Preocupações sobre o futuro financeiro da ciência nacional marcaram os debates no início da 66ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece nesta semana no campus da Universidade Federal do Acre, em Rio Branco. Pesquisadores temem que o setor, que já vive um momento de pessimismo com a perda do CT-Petro e com um contingenciamento de recursos da ordem de 20%, seja colocado em situação ainda mais delicada nos próximos anos com o lançamento do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), anunciado há cerca de um mês pelo governo federal.
Lideranças da SBPC e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) cobraram um compromisso do ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) de que o financiamento do programa será feito com “dinheiro novo”, sem prejuízo para os atuais programas do setor. “A academia tem sido muito clara com relação a isso: Tem de ser recursos novos”, disse ao microfone o matemático Jacob Palis, presidente da ABC, após assistir à palestra do ministro Clelio Campolina Diniz, ontem de manhã. “E tem de ser um compromisso sério. Se não, depois a coisa aperta e começam a tirar recursos da ciência brasileira para financiar as plataformas.”
“Entendemos que antes de iniciar uma nova jornada, é necessário garantir a continuidade dos projetos em andamento e aqueles já discutidos e apontados como fundamentais para o país”, disse a presidente da SBPC, Helena Nader, em seu discurso de abertura da reunião, na terça-feira à noite, citando como exemplos o reator multipropósito, a nova linha de luz síncrotron em Campinas (projeto Sirius), o submarino nuclear e o programa espacial.
“Não somos contra as plataformas, mas queremos ter certeza de onde virão os recursos e qual será a base para a manutenção do programa”, completou Helena, ontem, em conversa com o ministro.
“No Ciência sem Fronteiras, dizia-se todo o tempo que seriam recursos novos, e não foram, pelo menos não na sua totalidade”, comparou o físico Ildeu de Castro Moreira, conselheiro da SBPC e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No fim das contas, para bancar o programa, o governo precisou sacar cerca de R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é uma das principais fontes de recursos para pesquisa científica no País – e que terá seu valor reduzido quase que pela metade no próximos anos, com a quase certa extinção do CT-Petro, fundo setorial alimentado pelos royalties do petróleo, que contribui com 47% dos recursos do FNDCT.
“O financiamento à ciência, tecnologia e inovação permanece como uma das grandes preocupações da comunidade científica e acadêmica. Na agenda deste ano, persiste a ameaça da extinção dos recursos dos royalties do petróleo. A atual redação da lei, que ainda não foi regulamentada, não destina recursos ao CT-Petro, tornando a sua receita nula, o que ocasionaria a extinção deste fundo setorial, com consequências nefastas para as atividades de ciência, tecnologia e inovação”, discursou a presidente da SBPC.
“De fato, há uma insegurança na comunidade. A previsão é de que 2015 vai ser um ano difícil”, disse o Estado o diretor de Cooperação Internacional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo César Beirão. A meta do CNPq é honrar todos os compromissos já assumidos; mas ele reconhece que há uma certa cautela em relação a adotar compromissos futuros, diante do encolhimento do FNDCT e das incertezas orçamentárias para 2015.
Dirigentes dos institutos nacionais de pesquisa vem sendo orientados pelo MCTI a reduzir gastos e também “serem cautelosos” ao assumir novos compromissos financeiros, segundo relatou um deles ao Estado.
PROTEGENDO O BÁSICO
Uma grande preocupação dos pesquisadores no encaminhamento das políticas setoriais dentro desse novo cenário é que haja uma transferência de recursos da ciência básica para investimentos em pesquisa aplicada, voltada para o desenvolvimento tecnológico, que é o foco do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento.
Ildeu Moreira arrancou aplausos do auditório ontem ao fazer uma comparação com o que aconteceu com a seleção brasileira na Copa do Mundo deste ano. “A gente teme que esteja-se desenhando uma estratégia de Felipão, em que a inovação vai acontecer sozinha, com o Fred isolado lá na frente e a defesa isolada, lá atrás. E o meio-campo, que é a ciência básica, vai fazer o quê?”, questionou.
Respondendo às perguntas, o ministro Campolina disse que não há dúvidas de que a pesquisa básica é essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, e que ela será preservada. “Sem pesquisa básica não há pesquisa aplicada”, disse. “Podemos fazer muita coisa com o conhecimento que já está disponível, mas isso não tem fôlego, não se sustenta.”
Com relação ao financiamento do Programa Plataformas, o ministro disse que “tudo vai depender do orçamento” de 2015, cuja proposta deverá ser encaminhada ao Congresso no mês que vem. “Se tiver orçamento, o programa será implantado. Se não tiver orçamento, não será implantado”, resumiu.
“Me pediram para preparar um plano e eu preparei; resta saber se vão nos dar condições de realiza-lo”, explicou o ministro. “As dificuldades existem, mas temos de ter ideias para defender. Para reivindicar coisas, precisamos ter propostas.”
As preocupações dos cientistas com relação ao orçamento são justificadas, segundo ele, mas não são exclusivas da área de ciência e tecnologia, por conta da atual situação econômica do País. “A incerteza não é só no MCTI; todas as áreas do governo estão vivendo essa mesma ansiedade”, disse Campolina após sua palestra, em entrevista coletiva. “Mas sou otimista; acho que o Brasil tem todas as condições de retomar seu crescimento econômico. Não estamos discutindo corte, estamos discutindo aumento”, garantiu.
Campolina disse que ainda não há uma estimativa de quanto dinheiro será necessário para implementar o Programa Plataformas, mas garantiu que não haverá prejuízo para os programas atuais da área de ciência e tecnologia. “O PNPC vem complementar os programas que já estão em andamento. Em nenhum momento passou pela minha cabeça substituir ou concorrer com programas já existentes”, afirmou.
O decreto de criação do PNPC foi assinado pela presidente Dilma Rousseff em 25 de junho. O programa, previsto para durar 10 anos, atuará por meio de parcerias entre instituições públicas de pesquisa e empresas privadas, como forma de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias em áreas (ou “plataformas”) consideradas estratégicas para o País, como saúde, agricultura, energia, defesa e tecnologias da informação.
“As Plataformas serão estruturadas pela lógica da resolução de problemas, orientadas pela demanda de interesses estratégicos do País. Deverão gerar conhecimento, produtos e processos com alto impacto na CT&I, na vida das pessoas e do País”, diz o material divulgado à imprensa pelo MCTI. (
http://www.mct.gov.br/upd_blob/0231/231780.pdf)