BRASÍLIA - Por falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento
de produtos, o Brasil pode perder a chance de liderar uma nova onda de
crescimento mundial. Depois da fase de expansão da tecnologia digital, a
indústria se prepara para a etapa da biotecnologia. Como o país detém
um terço da biodiversidade do planeta, poderia capitanear o processo. No
entanto, falta dinheiro para esses investimentos.
Financiamento
para pesquisas iniciais até existe. O BNDES nunca investiu tanto: R$ 5,2
bilhões, mas que representam menos de 3% do total emprestado em 2013.
Além disso, a demanda por recursos é muito maior. Os editais abertos do
programa governamental Inova Empresa destinaram R$ 9,2 bi para projetos.
A procura foi de R$ 17,4 bilhões.
Piora em ranking de inovação
A
maior preocupação é a alta mortalidade de projetos na fase de testar se
o produto pode ser feito em escala, a etapa mais arriscada e cara.
Muitos empresários desistem aí. Em países como Alemanha e França, o
Estado doa dinheiro nessa hora. Aqui no Brasil, apenas 4% dos recursos
do Inova Empresa, que tem um orçamento de R$ 33 bilhões, são gastos com
essa subvenção.
Assim, o país dá passos para trás em
competitividade. Segundo o relatório mais recente do Fórum Econômico
Mundial, o Brasil caiu da 39ª posição no ranking de inovação para o 46º
lugar. Está atrás de todos os Brics, com exceção da Rússia, que é a 99ª
colocada. Os Brics reúnem ainda Índia e China. O Brasil piorou em quase
todos os quesitos: capacidade de inovar, qualidade das instituições de
pesquisa, gastos empresarias em pesquisa e desenvolvimento (P&D),
compras governamentais de produtos tecnológicos e registros de patentes.
—
Estamos atrasados porque ainda não terminamos a agenda de
desenvolvimento do século passado. O duplo desafio do Brasil é conciliar
essa agenda com a agenda inovadora do século XXI — destaca o diretor de
Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Mól.
O
reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Carlos Pacheco,
conta que a transição do laboratório à produção em escala é chamada de
“vale da morte”. E a superação desse obstáculo é fundamental se o Brasil
quiser ter um crescimento econômico sustentável:
— O principal motivo para se investir em inovação no Brasil é ganhar produtividade, é o que faz a economia crescer.
Enquanto
no exterior algumas empresas já fazem roupas com tecido produzido por
bactérias, o Brasil patina em biotecnologia. Não há marco legal de
acesso à biodiversidade. Para pesquisar uma larva da Amazônia ou
trabalhar com organismos geneticamente modificados, é preciso encarar
uma romaria burocrática.
Não é possível patentear a maioria dos
organismos vivos no Brasil. Por isso, há brasileiros que levam os
centros de pesquisa para o exterior. Ou importam tecnologia. A Granbio,
por exemplo, comprou no exterior a patente de leveduras geneticamente
modificadas para fabricar etanol feito com palha e do bagaço de cana
jogados fora depois da produção do álcool convencional.
O
presidente da empresa, Bernardo Gradin, reconhece iniciativas do
governo. Só tem elogios para a criação da Embrapii (Empresa Brasileira
de Pesquisa e Inovação Industrial), mas reclama de problemas como o
trâmite de papelada, alto custo das licenças e dos impostos. Diz que é
difícil competir com os Estados Unidos, por exemplo, apesar de ter as
melhores matérias-primas.
— Transformar ciência em tecnologia no
Brasil é muito difícil — desabafa o empresário, que participa da
Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI).
Para piorar o
cenário, boas inciativas não deslancham. A “sala de inovação”, criada
pelo governo para evitar que um investidor estrangeiro desista de entrar
no país por causa da burocracia, está às moscas, segundo os
empresários.
O secretário executivo do Ministério da Ciência e
Tecnologia (MCTI), Luiz Antônio Elias, contesta e diz que a sala já
trouxe investimentos para o Brasil. Um exemplo é a criação de um centro
de pesquisa da GE, com recursos de US$ 300 milhões, e outro da IBM, com o
mesmo valor.
Estatal com pouco orçamento
Para
o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI, Álvaro
Prata, um dos problemas do Brasil ainda é a distância entre a produção
do conhecimento científico e a indústria. Isso faz com que projetos que
poderiam ter viabilidade econômica e gerar produtividade acabem
restritos à academia.
— Esse é um processo relativamente recente
no Brasil. A primeira dissertação de mestrado feita no país data dos
anos 60. Já países como Japão, Alemanha ou Estados Unidos fortalecem o
conhecimento científico e sua aplicação desde o século XIX.
Segundo
Prata, o governo quer aumentar os recursos a fundo perdido nos
projetos. Tanto que essa modalidade representa um terço das iniciativas
da Embrapii. No entanto, o orçamento da estatal é apertado: apenas R$
1,5 bilhão até 2018.
— O governo quer ser parceiro no risco — garante o secretário.
Gabriela Valente & Martha Beck, publicado em