Por Rômulo Bini Pereira
A
Revolução Democrática de 31 de Março completa 50 anos este ano e já se observa
elevado número de reportagens e artigos sobre esse fato histórico. Nesse
diapasão, nas esferas federal, estaduais e até municipais avultam as diversas
Comissões da Verdade criadas no País, a levantarem fatos que vão repercutir na
opinião pública com uma visão num só sentido. Seu escopo maior é denegrir o
fato histórico, cujo combustível veio do coração nacionalista do povo
brasileiro no limiar do outono de 1964. Ao passo que os crimes cometidos pelas
esquerdas radicais são nefanda e irresponsavelmente acobertados por essas
comissões.
A
atual "presidenta" da República, que participou ativamente da luta
armada, em recente visita à paradisíaca Ilha de Cuba demonstrou ao mundo sua
prestimosa submissão ao líder comunista Fidel Castro. Esse seu ato mostra que,
se a revolução não fosse vitoriosa, estaríamos sob a vigência de uma
"democracia sanguinária", semelhante à que ainda escraviza e
aterroriza o povo cubano.
Após
30 anos da Nova República e de cinco governos civis, notam-se análises
negativas quanto ao presente e ao futuro do Brasil. Os três Poderes da
República, base de todo regime democrático, vivem hoje momentos sensíveis e
preocupantes - corrupção e mordomias em todos os seus níveis.
O
Legislativo é a instituição mais desacreditada, segundo pesquisas confiáveis.
Legisla quase sempre em favor dos direitos, mas nem sempre se lembra dos
deveres. O interesse nacional é secundário e, em consequência, temas de capital
importância para o Brasil são postergados, só pelo simples fato de que podem
trazer reflexos indesejados nas urnas.
O
Judiciário passou a ser a esperança dos brasileiros por ter-se sobressaído
sobremaneira no processo conhecido como mensalão, conduzido pela Suprema Corte.
Esta, em seus debates, demonstrou, entretanto, que há áreas de atritos de cunho
ideológico e partidário entre seus membros. Não fossem a morosidade no julgar e
os longos trâmites nos processos jurídicos, seu conceito seria mais positivo.
O
Executivo passa por sérias dificuldades, pois a "presidenta" demonstra
ser incapaz de governar com seriedade, equilíbrio e competência. Diante de
qualquer obstáculo, convoca especialistas em propaganda e marqueteiros para que
façam diminuir ou mascarar os pontos negativos que poderão surgir, pois só o
que ela e seu partido querem é conseguir a reeleição. Em relação à política
externa, o anseio do governo é fazer o Brasil ter uma cadeira permanente no
Conselho de Segurança da ONU. e isso está afastado. Nosso país está sendo
ridicularizado em todo o mundo por tantos escândalos. País assim não pode
postular distinção de tamanha expressão mundial.
Nos
dias atuais o País vive momentos conturbados, que se vêm agravando desde os
surpreendentes movimentos populares de junho de 2013. A Copa do Mundo traz
efetivas preocupações ao povo brasileiro.
Manifestações
ininterruptas conduzidas por vândalos transformaram algumas cidades,
principalmente as capitais, em verdadeiras praças de guerra. Os
"rolezinhos", já bastante disseminados, trazem em seu bojo indícios
de luta de classes. A criminalidade já é endêmica entre nós e isso faz com que
não mais sejamos vistos como um povo pacífico e cordato. Nossos índices de
crimes anuais já atingem a cifra de 50 mil mortos/ano, próximos aos de países
onde há guerra civil.
As
autoridades constituídas pouco fazem para reverter essa situação. Propalam
promessas vãs, são incompetentes, demonstram desinteresse e má-fé. Seu aparato
policial está sempre pressionado, pois suas ações são consideradas agressivas.
As soluções não surgem e o País vive uma situação de descalabro político e
moral, com manifestos sinais de incipiente desobediência civil. É essa a
democracia que desejamos?
Finalmente,
um enorme paradoxo. As Forças Armadas continuam sendo a instituição de maior
credibilidade no País, e isso é se deve não apenas à eficiência, à noção de
responsabilidade, ao trato da coisa pública, mas, sobretudo, aos valores morais
que são cultivados em todos os seus escalões. A honestidade, a probidade, a
disciplina e o empenho no cumprimento da missão são algumas virtudes que
norteiam as Forças Armadas e que deveriam também ser exercidas pelos diversos
mandatários dos governos de nosso país. O que, infelizmente, não ocorre.
Na
área militar nota-se ainda repulsa aos atos das citadas comissões. Ela é
flagrante, crescente e de silenciosa revolta. Pensam que os integrantes das
Forças Armadas - quietos, calados e parecendo subservientes - assistem
passivamente aos acontecimentos atuais com sua consciência adormecida. Não é
bem isso que está acontecendo!
As
esquerdas sempre alardeiam que os "militares de hoje" não são como
"os de 1964". Sem dúvida! Aqueles, mais preparados cultural e
profissionalmente e mais informados que estes, mantêm, contudo, bem viva a
mesma chama que seus predecessores possuíam e lhes legaram: o amor à liberdade,
aos princípios democráticos, à instituição e ao Brasil. Também não aceitarão e,
se necessário, confrontarão regimes que ideólogos gramscistas queiram impor à
sociedade brasileira, preconizados pelo Foro de São Paulo, órgão orientador do
partido que nos governa e de alguns países da América do Sul que se dizem
democratas.
Mesmo
sendo vilipendiada, devemos saudar a Revolução Democrática. É voz geral entre
os esquerdistas que 64 jamais será esquecido. Ótimo, nós, civis e militares que
a apoiamos, também não a esqueceremos. A Revolução de 1964 será sempre uma
"árvore boa"!
Lei do
Silêncio
(Em 12 de maio de 2012, no Estadão)
Em 1979, após muitos debates em amplos
segmentos de nossa sociedade, a Lei da Anistia foi aprovada e promulgada no
País. Ela veio pôr um ponto final no ciclo de beligerância que se instalou na
vida brasileira e criou um pacto de reciprocidade para a reconstrução
democrática no Brasil.
Nestes anos de sua vigência, as Forças Armadas cumpriram um papel impecável.
Voltaram-se para suas missões constitucionais, sem a mínima interferência no
processo político que aqui se desenvolvia. Mantiveram-se em silêncio,
acompanhando os fatos políticos, alguns bastante perturbadores, sem nenhuma
atitude que pudesse ser analisada como intervenção no processo democrático.
Adotaram uma verdadeira lei do silêncio. Um ajuste entre seus chefes, em busca
da concórdia e do entendimento.
No corrente ano, entretanto, dois fatos vieram de encontro à atitude das Forças
Armadas. O primeiro foi a criação da Comissão da Verdade. De modo unânime,
militares da ativa e da reserva consideraram tal comissão um passo efetivo para
atos de revanchismo. Os seus defensores - alguns deles membros da alta esfera
governamental e do Poder Judiciário - já falam em rever a Lei da Anistia, mesmo
após o Supremo Tribunal Federal ter confirmado a sua validade.
No escopo de se obter a verdade, essa comissão, para ser imparcial, deveria
estudar e analisar não só o ideário político-ideológico, mas também os métodos
de atuação de quem optou pela luta armada em todo o mundo. Que pesquise os
manuais das organizações internacionais para constatar a semelhança dos
objetivos e métodos das inúmeras e variadas organizações nacionais, inclusive o
Manual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella, a cartilha do terrorismo brasileiro.
Os diversos delitos cometidos -
assassinatos, atentados, roubos e sequestros - também tiveram, tal como as
citadas internacionais, um objetivo único, ou seja, a "derrubada do
governo central e a instauração de uma ditadura do proletariado", e não
uma democracia, como apregoam seus defensores. Com tal comissão só existirá uma
verdade unilateral.
O segundo fato se refere aos incidentes ocorridos na sede do Clube Militar, no
Rio de Janeiro, tão chocantes e tão esclarecedores para todos os militares.
Chocantes porque velhos soldados, ilustres chefes, instrutores, professores e
outros de carreira e vida exemplares foram insultados e agredidos por uma turba
de radicais com atitudes e impropérios usados pelos grupos extremistas das
décadas de 60 e 70. E esclarecedores porquanto demonstraram que o ódio
ideológico e o fanatismo estão novamente presentes em nosso país.
Tanto que disse um dos seus líderes:
"Somos marxistas radicais". Seu ideário, seus métodos de atuação e
seus ídolos são os mesmos das organizações extremistas do passado. Fazem uso
até mesmo de ações de intimidação radicais, como o "escracho", de
modo idêntico aos trotskistas e aos nazistas nas décadas de 20 e 30. Segundo
seus integrantes, suas ações visam a defender a "honra" do nosso país
perante a comunidade internacional. Definitivamente, não são aptos para tal
defesa. A continuar dessa forma, a citada turba poderá vir a ser um celeiro
para novos Araguaias.
Esses dois fatos atingiram frontalmente os objetivos da Lei da Anistia. A
concórdia e o entendimento foram atitudes adotadas somente pelas Forças
Armadas. Em oposição, um segmento sectário e minoritário demonstrou
intransigência e intolerância totalitária para com os militares.
Eles não assumiram seus atos e erros. Talvez para criar uma nova História, na
qual seus integrantes sejam os grandes heróis. Talvez para justificar as ações
de seus líderes no emprego de jovens em aventuras quixotescas de tomada do
poder pela via armada, ou, então, a legitimação das 20 mil indenizações pagas
por seus ideais revolucionários.
Não será possível mais aceitar que os "anos de chumbo", expressão de
origem italiana tão decantada por esses segmentos minoritários, sejam debitados
somente aos atos das nossas Forças Armadas. Na Itália não houve anistia e
terroristas estiveram presos por muitos anos. O caso Cesare Battisti, de
rumorosa repercussão mundial, exemplifica o desiderato do governo italiano em
punir os que optaram pela luta armada. As organizações extremistas brasileiras
estavam sossegadas na selva do Araguaia ou nos aparelhos urbanos, algumas nos
conventos dominicanos. E assistiram a tudo pacificamente, com uma única
exceção: as vítimas de sua autoria, algumas assassinadas barbaramente e outras
justiçadas covardemente. Que regime teria sido imposto ao nosso país caso
vingasse o ideário radical dessa minoria?
Neste contexto, a palavra dos chefes militares está se fazendo necessária e
será um contraponto a possíveis atitudes e ações deletérias, como as agressões
no Clube Militar. O que nós, militares, defendemos não é indisciplina ou
qualquer conluio, nem quebra dos princípios democráticos. Uma palavra que não
signifique um "mea culpa" ou um pedido de perdão. Estivemos, no
período da guerra fria, em combate bipolarizado, no qual os extremistas foram
banidos em todo o mundo em razão de seu objetivo totalitário e único: a
ditadura do proletariado. Correremos riscos, mas eles são inerentes ao processo
democrático e à nossa profissão.
Não se admite mais este silêncio reinante. Nas redes virtuais, pela simples
leitura de manifestos e artigos oriundos da reserva de nossas Forças Singulares
se percebe que estamos num ponto crítico. A nossa autoestima está em visível
declínio, agravada por outros fatores, entre eles os baixos salários de nossos
subordinados. Dissensões poderão surgir, pois a reserva expressa em muito o
pensamento dos soldados da ativa. Possíveis perturbações ou rupturas em nossas
Forças trarão repercussões indesejáveis para o nosso país. Não é possível mais
calar. A lei do silêncio deve ser quebrada!
O Outro Lado
(em 7 de junho de 2012, na Folha de São
Paulo)
Com
a instauração da Comissão da Verdade, o ciclo de beligerância e de turbulência
política do passado recente voltou a ser um tema discutido em nosso país.
É
um tema preocupante, que estará presente em debates e artigos nos próximos dois
anos, tempo de vigência dos trabalhos da comissão. No período, os principais
fraseados das esquerdas brasileiras estarão em evidência, sempre acompanhados de
justificativas emocionais.
Agora
é possível acrescentar no debate a Lei da Anistia, já chamada de lei injusta,
primeiro passo para a sua revogação. Esquecem os críticos que foi essa lei que
permitiu quase 33 anos de relativa paz no processo de crescimento democrático
do país. Sem ela, o período seria controverso e perturbador.
Na
comissão, as Forças Armadas serão o foco principal. Disciplinadas como são,
estarão em silêncio obsequioso e sem poder político para interferir nos
processos que serão abertos. O seu desgaste será evidente, um objetivo
permanente de segmentos minoritários e radicais da esquerda brasileira.
Surge,
agora, em artigo publicado neste jornal, de autoria do frade dominicano
Libânio, o Frei Betto ("Os dois lados da Comissão da Verdade", em 20
de maio), uma nova designação para a Comissão da Verdade. O novo nome seria
Comissão da Vaidade, uma alusão à posição adotada por um dos juristas que
integra a comissão, considerada vaidosa pelo frade.
O
jurista teria se posicionado, em corte internacional, contra interesses de
familiares de vítimas na guerrilha do Araguaia. Em seu artigo, o autor
questiona se o jurista teria condições de atuar com imparcialidade.
É
surpreendente a posição do frade. Ele considera o jurista parcial por ele ter
sido contrário ao posicionamento dos citados familiares. Então sejamos claros:
os sete indicados serão imparciais quando analisarem um só lado, de preferência
o do frade Libânio. Se analisarem o "outro lado", serão parciais.
Como
deverão se sentir os juristas da comissão, indicados com base no seu
"notável saber", diante desse claro patrulhamento? Como serão suas
"imparcialidades" ao analisarem só um lado, ferindo o contraditório,
princípio básico do direito?
Meu
professor de história geral, um saudoso frei franciscano, ensinava que a
"história tem sempre dois lados". O "outro lado" também tem
inúmeras perguntas não respondidas nem esclarecidas.
Também
choramos nossa centena de mortos e o mesmo tanto de feridos, muitos inocentes e
que nada tinham com os confrontos. Assassinatos a sangue frio, a pauladas, a
coronhadas -até esquartejamento houve. Atentados e sequestros com mortes.
Sequestro é tortura infame, e alguns sequestradores estão bem vivos.
Há
famílias enlutadas que, em sua totalidade, não receberam qualquer apoio
indenizatório. Não existia naquela época nenhuma benesse como a atual e
generosa "bolsa ditadura". Enumerar outros fatos a esclarecer
ultrapassaria nosso espaço jornalístico. Entretanto seria bom se uma pergunta,
talvez a mais importante, fosse respondida: que democracia eles lutavam para
resgatar?
O
ideário das organizações terroristas e os depoimentos insuspeitos de seus
ex-integrantes permitem inferir que o objetivo maior, caso vencessem, seria a
implantação de uma "ditadura do proletariado" e não uma democracia,
como assegura o citado articulista.
Dependendo
da organização, seria uma ditadura soviética, maoísta, albanesa ou cubana. Para
mim, sem receio de errar, seria a cubana e o seu famigerado
"paredón".
Por
sinal, os covardes justiçamentos em nosso país, por ordens de tribunais
relâmpagos, comprovam a escolha. Caso vingassem tais doutrinas, não poderíamos,
hoje, escrever livremente neste ou em outro jornal.
Ao
menos eu. Já o frade Libânio escreveria no jornal do partido único. À
semelhança de Cuba, no Brasil haveria um só lado. Não existiria o "outro
lado".
Não
tenho profundos conhecimentos da mitologia grega nem das literaturas portuguesa
e espanhola para citações brilhantes como as do eclesiástico. Todavia, fruto da
formação franciscana que recebi, encerro com uma citação bíblica, que creio ser
válida para o momento sensível pelo qual passa a nação brasileira: "Não
julgueis para não serdes julgados, pois com o julgamento com que julgais sereis
julgados e com a medida com que medis sereis medidos." (Mt 7,1-2).
Rômulo Bini Pereira é General de
Exército e foi chefe do Estado Maior de Defesa.