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terça-feira, novembro 18, 2014

Mapeamento de doença que dizima o cacau abre caminho para produção de nova droga




Cientistas do IB estão próximos de decifrar interação entre o cacau e o fungo em nível molecular; The Plant Cell publica artigo sobre as pesquisas

Edição de Imagens: Diana Melo


A popular vassoura-de-bruxa, doença que causa graves danos à plantação de cacau no Brasil, consumindo até 50% da safra, está prestes a ser totalmente desvendada. Cientistas do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, envolvidos no programa nacional Genoma Vassoura-de-Bruxa, liderado pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, caminham na direção de decifrar totalmente a interação entre o cacau e o fungo em nível molecular. Usando a metodologia de sequenciamento de RNA-seq, o grupo conseguiu chegar a um mapeamento da doença e entender exatamente as suas vias de acesso para atingir o cacau.

Com base nesse mapa da doença e com o uso de ferramentas de última geração, está sendo possível compreender exatamente em que ponto atacar a vassoura-de-bruxa com moléculas fungicidas para que a doença seja destruída. O próximo passo será conseguir outro financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolver uma nova droga agrodefensiva, que já tem inclusive um protótipo. “Graças à técnica de RNA-seq, foi reconstruído o campo de batalha entre o cacau e o fungo com um nível de detalhe sem precedentes, fornecendo uma leitura dos genes afetados na planta e do fungo”, afirma Gonçalo.

Como ápice desse trabalho de 14 anos, acaba de sair um paper no periódico The Plant Cell, de alto impacto na área de Fisiologia de Planta, com o título em inglês “High-resolution transcript profiling of the atypical biotrophic interaction between Theobroma cacao and the fungal pathogen Moniliophthora perniciosa”. O trabalho integra o Projeto Temático “Estudo integrado e comparativo de três doenças fúngicas do cacau: vassoura-de-bruxa, monilíase e mal do facão”.

O texto, que passou por uma longa submissão, exigindo ajustes e mais pesquisas, mereceu destaque em um editorial da revista. Assinam o trabalho, como autores principais, os pós-doutorandos do IB Paulo José Teixeira e Daniela Toledo Thomazella, orientados pelo professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, líder do programa Genoma Vassoura-de-Bruxa e do Laboratório de Genômica e Expressão da Universidade.

Gonçalo Pereira, em sua sala no IB, e Paulo e Daniela, via Skype [eles estão fazendo pós-doc na Universidade da Carolina do Norte e na Universidade de Berkeley, respectivamente], falaram dos avanços havidos com relação à vassoura-de-bruxa, partindo do ponto zero, ou seja, da pesquisa básica. O “amarramento” foi comemorado pelos envolvidos nessa iniciativa, que é financiada pela Fapesp.

Segundo Gonçalo, com esse trabalho eles conseguiram identificar as vias metabólicas da interação do fungo com a planta para “produzir” a doença. “Agora temos um extraordinário arsenal de possibilidades para atacá-la especificamente. Isso porque a maioria dos trabalhos é conduzida em plantas de países temperados ou em plantas-modelos. Estamos falando aqui de um sistema tropical de grande complexidade, para o qual montamos esse mapa rodoviário. Eu diria mais: algumas moléculas que estão sendo desenvolvidas para combater essa doença são efetivas também para debelar outras doenças de plantas como a soja.”


Os editores da The Plant Cell, da American Society of Plant Biologists, já enviaram um release à imprensa intitulado “Cientistas buscam a cura para a devastadora doença vassoura-de-bruxa do cacau, a árvore do chocolate”. No texto, informaram que, no início de 1900, o Brasil era o maior produtor de cacau do mundo. Árvores do ‘chocolate’ (Theobroma cacao), o cacau, foram cultivadas em uma região de 800 mil hectares de floresta no Estado da Bahia, sob um dossel denso de árvores de sombras nativas. Considerando que a floresta circundante foi um hotspot de biodiversidade, as árvores do chocolate, obtidas principalmente a partir de sementes introduzidas em meados de 1700, tinham uma variação genética muito baixa. De acordo com Gonçalo Pereira, “este cenário criou uma situação muito romântica, mas muito frágil”, pois a variação genética é fundamental para a sobrevivência de uma população e faz com que aumente a resistência a agentes patógenos.

Em 1989, um desastre aconteceu na Bahia na forma de um fungo devastador chamado Moniliophthora perniciosa. Em dez anos, o fungo erradicou cerca de 70% das árvores de cacau do Brasil, resultando em uma catástrofe econômica e social, afetando dois milhões de pessoas.



Conhecimento

No primeiro estágio de seu ciclo de vida, a Moniliophthora perniciosa assume a forma de um fungo avermelhado, um fungo bonito, descreve Gonçalo, mas que, para a árvore do chocolate, é um problema mortal. Ele explica que esse tipo de cogumelo é cheio de milhões de esporos que, liberados, podem infectar plantas suscetíveis através de feridas superficiais e pequenas aberturas das folhas (estômatos), matando lentamente as árvores.

Infectadas, essas árvores produzem protuberâncias verdes bizarras que se assemelham a vassouras, por isso do nome da doença. Dois a três meses após a infecção, as vassouras tornam-se marrons e começam a morrer. O fungo então completa seu ciclo de vida mais uma vez, dando origem a outros grupos de cogumelos produtores de esporos.



Gonçalo conta que não havia cura conhecida para esta doença, que ele qualificou de devastadora. Em 2000, sua equipe iniciou o Programa Genoma Vassoura-de-Bruxa com o objetivo de perseguir a cura para tal doença. De acordo com Paulo Teixeira, “conhecer a base molecular e fisiológica de uma doença é um passo importante para o desenvolvimento de estratégias de controle eficiente”. Logo, usando plantas saudáveis como ponto de referência, os cientistas identificaram 1.967 genes que exibem atividades únicas nas estruturas da vassoura-de-bruxa do cacau infectado. A análise destes genes mostrou que a infecção pelo fungo dispara transformações significativas e massivas no metabolismo da árvore do chocolate. Além disso, os cientistas descobriram 8.617 genes do fungo que são ativados na “fabricação” da vassoura-de-bruxa.

Usando o Atlas Transcriptômico, uma ferramenta disponível on-line, criada pelo grupo para apoiar estudos da doença vassoura-de-bruxa, foram identificados 433 genes particularmente ativos. Muitos deles produzem proteínas com funções presumidas no mecanismo da doença. Daniela Thomazella explica que “a descoberta deste conjunto de genes do fungo, que possivelmente estão envolvidos na patogenicidade, pavimenta o caminho para estudos mais diretos e funcionais”.

Os autores já estão empregando os resultados do estudo para desenvolver um novo fungicida que age especificamente em M. perniciosa. Além de aumentar o conhecimento acerca dessa doença avassaladora, Gonçalo diz que este estudo apresenta uma base importante para futuras investigações que visam aumentar a segurança alimentar globalmente. Doenças de plantas matam muito mais humanos do que as próprias plantas, revela Gonçalo. “Por isso o nosso interesse em doenças de plantas está relacionado com a segurança alimentar das pessoas.”



Retrocesso

Conforme o docente, o Brasil, em especial a Bahia, era um dos maiores produtores de cacau. No início do século passado, era o primeiro em termos mundiais. Depois consolidou-se como o segundo, figurando atrás somente da Costa do Marfim, África.

Com a vinda da doença para cá em 1989, quando foi identificada pela primeira vez, não existia conhecimento para combater essa doença. A primeira providência que o governo tomou foi importar as metodologias de controle da América Central, para aplicar na Bahia. “Isso fez com que os produtores pegassem dinheiro do Banco do Brasil para investir no controle da doença. O que aconteceu é que, como não tinham conhecimento suficiente, as medidas aumentaram a doença, no lugar de diminuir, o que acabou endividando o cacauicultor”, esclarece o professor.

O Brasil, que produzia 400 mil toneladas de cacau por ano, passou a produzir menos de 100 mil. Na Bahia, mais ou menos 200 mil postos de trabalho foram perdidos, assim como mais de 100 mil hectares de Mata Atlântica. Já existia até uma determinação do governo para não fomentar mais essa cultura e acabar com o cacau na região. Com isso, seria o fim também da Mata Atlântica. O que segurou essa derrocada naquela região, situa Gonçalo, é que na Bahia havia uma região intacta de planta cacau. “Não teria como preservar a Mata Atlântica se não tivesse cacau. O que aconteceu lá foi uma exploração de madeira violenta quando o cacau entrou em crise”, aponta.

O cacau é a única cultura que realmente convive com a floresta no seu estágio nativo. Desta forma, se não fosse descoberta uma solução para o problema, este seria uma espécie de ebola ao contrário: “o ebola está na África mas, se chegar aqui, vai trazer um problemão; a vassoura-de-bruxa está na América e, se chegar à África, acabará com o cacau no mundo ou então teremos uma queda violentíssima. Isso não é brincadeira”, adverte o docente. Em vista da falta de conhecimento que existia sobre essa doença, e o fato de que nenhum fungicida conseguia combatê-la, iniciou-se esse programa de genômica para entender como a doença funcionava por dentro e como interagia.

Anos após os primeiros frutos da iniciativa, Gonçalo reconhece que essa doença trouxe um problema muito sério do ponto de vista social, por conta da verdadeira disrupção que ocasionou no sul da Bahia. “O cacau é plantado junto com a floresta, que aos poucos foi degradada. Embora sendo produzida em pouca quantidade, é imenso o número de produtos que têm como base o cacau. Então é uma cadeia econômica de enorme valor”, dimensiona ele.

Mas não é somente isso. Suas repercussões são sentidas também em outros lugares. O cacau, em geral produzido em países pobres, tem no Brasil o país mais rico dentro desse panorama. “Imagine uma vassoura-de-bruxa chegando à África. Acabou o chocolate do mundo”, constata. “O impacto seria inestimável. Para se ter uma ideia, sempre comparo, em tom de brincadeira, a malária, que é uma doença negligenciada, com a vassoura-de-bruxa, que é outra doença negligenciada, mas de planta.”



Novo temático

Nesse momento, um novo temático da Fapesp está em julgamento a fim de desenvolver o protótipo de uma droga própria para uso no campo. Em países tropicais, nunca se desenvolveu alguma droga específica. Todas as moléculas fungicidas tinham sido produzidas para outras doenças que, ao chegarem ao Brasil, tinham que ser usadas três a quatro vezes mais a quantidade recomendada. Rapidamente, o Brasil tornou-se o maior consumidor de fungicida e de agroquímico do mundo, por eles não serem específicos.



O que acontece? Gonçalo ressalta que essas drogas até funcionam. Elas matam fungos e resolvem o problema. Só que não são capazes de serem levadas a campo. “O sol arrebenta molécula, e a chuva não tem persistência, não tem resistência, não penetra. Tem todo um trabalho para desenvolver essas drogas para elas ganharem características de moléculas agroquímicas”, sublinha ele. “É a primeira vez na história do país que será feita uma droga para ser pulverizada na planta, tarefa que terá ampla participação da Unicamp.”

A estimativa do docente é de que em dois anos já estaria pronto um protótipo de campo. Depois disso, outra etapa envolverá prospectar uma empresa interessada em apoiar o trabalho e desenvolvê-lo em larga escala para o mercado. “Em quatro anos teremos uma droga comercial”, comemora. Enquanto isso não acontece, a vassoura-de-bruxa “vai sendo exorcizada”, brinca Gonçalo. “Hoje em dia, o nosso grupo conseguiu, até por consequência do projeto e da dedicação do agrônomo e cacauicultor Edvaldo Sampaio, já falecido, entender a base bioquímica da doença.”

Gonçalo relata que Edvaldo, a partir de suas ideias, concebeu um pacote de como agir para controlar a doença. “Então juntamos o conhecimento dele com o nosso e montamos um pacote tecnológico, que hoje é usado na Bahia. Com isso, conseguimos recuperar significativamente a produção”, informa. “Edvaldo foi um sujeito extraordinário. Ele sabia como fazer e não sabia o porquê e nós sabíamos o porquê e não sabíamos fazer. Agora sabemos fazer e sabemos o porquê, contudo isso não substitui a necessidade de uma droga, que servirá para mitigar, ajudar e aumentar significativamente a produção. Vai, porém, uma ressalva: a doença ainda está lá.


Título: “High-resolution transcript profiling of the atypical biotrophic interaction between Theobroma cacao and the fungal pathogen Moniliophthora perniciosa”

Autores: Paulo José Pereira Lima Teixeira, Daniela Paula de Toledo Thomazella, Osvaldo Reis, Paula Favoretti Vital do Prado, Maria Carolina Scatolin do Rio, Gabriel Lorencini Fiorin, Juliana José, Gustavo Gilson Lacerda Costa, Victor Augusti Negri, Jorge Maurício Costa Mondego, Piotr Mieczkowski e Gonçalo Amarante Guimarães Pereira

Periódico: The Plant Cell

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