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quarta-feira, outubro 08, 2014

LUCAS BERLANZA: Neves, o avô


Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal

No momento em que você lê estas linhas, está sacramentado: a presidente da República, Dilma Rousseff, em sua luta por prolongar o domínio petista sobre o Brasil, terá pela frente como adversário o tucano mineiro Aécio Neves. Aécio pertence a uma linhagem política de peso na história republicana nacional; no momento em que se concentram nele, a despeito das diferenças ideológicas, as expectativas gerais de promover um recuo na radicalização esquerdista e intervencionista da atual gestão do país, nos vêm à lembrança, diante de sua referência emocional no discurso de encerramento do último debate do primeiro turno, na TV Globo, a trajetória de seu avô, Tancredo de Almeida Neves (1910-1985).

Não era Tancredo, por certo, um liberal clássico ou conservador-liberal; formou parte dos quadros de ao menos dois governos consideravelmente avessos às nossas convicções, os de Getúlio Vargas e João Goulart. Tal como os presidentes Juscelino Kubitschek e Eurico Gaspar Dutra, o velho Neves figurou no PSD (Partido Social Democrático), uma legenda gestada no seio do getulismo, mas que entrou no intervalo democrático entre o Estado Novo e o regime militar como uma vertente moderada, com apreço pelo desenvolvimentismo econômico – mas também, diga-se de passagem, em linhas gerais, pelo Estado de direito. Teríamos, fica claro, de ressalvar muitas diferenças entre as ideias que esposamos e a figura simpática e sempre lembrada do avô de Aécio.

Contudo, nem só de críticas devemos viver a quem não pensa como nós e, ainda que encubram eventualmente as falhas que conseguimos enxergar à saudável distância, os símbolos são importantes em uma sociedade. Tancredo Neves também teve qualidades e representou, nesse plano simbólico, posturas que são oportunas na hora extrema em que vivemos, que convém resgatar.

Mais do que de um governo propriamente fiel a nossos pontos de vista – realidade ainda distante -, necessitamos, com urgência, de um governo minimamente responsável, que conserve o ambiente de democracia, que seja comprometido com a tolerância às manifestações de pensamento das mais diversas correntes. Precisamos de um governo que não se venda a insanidades utopistas e destemperos radicais. Um governo que não se alinhe a regimes tirânicos e ditatoriais. Se não a todo o momento, a tônica da política de Tancredo Neves normalmente correspondia a essas qualidades.

Vemo-lo, por exemplo, torpedeando diretamente o comunismo, ao dizer que “ser comunista na juventude é aceitável, mas, depois de adulto, depois que entende, aí já é ser mau caráter”. Em uma nação onde diferentes pessoas públicas e legendas, na “oposição” (aparente) e no governo, aplaudem o mais esdrúxulo e rasteiro marxismo e dão suporte aos líderes mais tacanhos e opressores do planeta, a postura firme do avô Neves já nos seria muito bem-vinda como uma ascensão de patamar.

No âmago da crise de 1961, quando, com a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart se viu forçado a assumir a presidência num regime de parlamentarismo, coube a Tancredo o posto de primeiro-ministro. Como manda a boa e velha tradição mineira, seu estilo era conciliador. Desejava promover uma legítima pacificação nacional, e exerceu o maior poder do país naquela curta experiência do que seria uma configuração mais descentralizada da administração nacional. Nosso presidencialismo quase “imperial” – como adjetivou o candidato do Partido Verde deste ano, Eduardo Jorge, num de seus raros laivos de correção -, lamentavelmente, retornou e vigora até hoje.

A “pacificação” não veio e a história se encaminhou de uma forma indesejável para Tancredo; veio o regime militar. Ainda assim, num cenário adverso a suas crenças e pretensões, Tancredo fez uma oposição equilibrada e responsável, integrando-se ao MDB. Jamais teve seus direitos políticos cassados. Fossem quais fossem suas convicções econômicas ou sociais, era nítido seu compromisso com a ideia de uma ordem estabelecida, de um Estado democrático, com leis a serem respeitadas e ponderação nas medidas e decisões a serem tomadas.

Findo o regime militar, foi eleito o primeiro presidente civil, numa articulação das forças políticas recompostas no país para a chamada Nova República, encontrando grande aprovação por parte do povo. Curiosamente, já àquele tempo, lá estavam o PT e a CUT, recusando-se a votar no Colégio Eleitoral que o escolheu e, como disse a manchete do Jornal da Tarde de 11 de fevereiro de 1985, declarando-lhe guerra. Desde o nascedouro, era o Partido dos Trabalhadores um câncer de prontidão para semear a discórdia e a irresponsabilidade nos graus mais extremos.

Logo em suas primeiras manifestações públicas como presidente, o avô Neves afirmou que se preocupava menos, àquele momento, em fazer promessas irrealizáveis. Dizia-se inteiramente contrário à demagogia. Para o choque de todos os brasileiros, faleceu antes de tomar posse; um “anti-clímax” e uma tragédia que ficou na memória de todos que viveram aquele momento. Entretanto, o vice, José Sarney, leu o que teria sido seu discurso de posse. E lá, como sempre, pregava ele a realização de uma assembleia constituinte – o que veio a ocorrer posteriormente, com a aprovação da Constituição de 88 –, de um padrão sólido de leis. Com todas as críticas que possamos fazer a ela, algumas formalizadas pelo saudoso Roberto Campos, a Constituição é um elemento fundamental para a ordem na pátria.

Atentem para o que dizia a carta: “a adesão aos princípios que defendemos não significa, necessariamente, a adesão ao governo que vamos chefiar. Ela se manifestará também no exercício da oposição. Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia!” Alguém é capaz de imaginar a casta petista que ora nos governa proferindo tais palavras, em vez de bradar por sua divisão odiosa da nação em “nós” e “eles”? Temos aí um estadista de verdade.

Essa mesma conciliação, hoje, é ecoada por Aécio, que rebate o PT precisamente nesse ponto em seus discursos. O que havia de positivo no espírito político do seu velho avô é, em boa medida, o que ele precisa trazer nesta eleição. Sua candidatura representa uma conciliação que, assim como a daquele tempo, embora em cenário diverso, é uma conciliação da esperança: a esperança de todos que querem um Brasil democraticamente sadio. Um Brasil que não se submeta às agendas bolivarianas. Um Brasil em que haja uma competição saudável de ideias. Todos os democratas, sejam eles conservadores, liberais, social-democratas moderados, libertários, ou o que mais se enquadrar, precisam se unir neste momento no projeto de derrotar o petismo. Podemos ser adversários naturais, mas o que existe diante de nós é mais que um adversário. É um inimigo, que teria prazer em nos negar a existência. Vencê-lo é um primeiro passo, importante, em direção a um país diferente e mais desenvolvido.

Mas, a essa conciliação, e aos bons nomes de sua equipe, o tucano precisará unir uma dose extra de assertividade e combatividade. É preciso desnudá-los, desmascará-los, mostrar a toda a gente o que representa a malfadada era petista na história da pátria. Somente assim, como o velho Neves marcou a queda de um regime autoritário, o novo marcará a interrupção de um notório desastre vermelho. Este espaço é para difusão de ideias, mas, neste momento, há apenas um candidato que nos permitirá sobreviver como sendo o que somos. Que nos propiciará ambiente mais saudável para existir como corrente política. Que nos pode devolver a dignidade como nação perante o mundo. Portanto, manifestamos nosso desejo de que, daqui a algumas semanas, possamos estar falando sobre como “Neves, o neto” se juntou a “Neves, o avô” na lista dos homens eleitos para a presidência de nossa jovem República.

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