Por José Mêumanne em O ESTADO DE S.PAULO - 10/09
Desde os anos 50 do século passado, quando a campanha "o petróleo é nosso" resultou na concessão do monopólio de extração e refino de óleo cru à Petrobrás, para isso criada, a esquerda brasileira passou a defendê-la com unhas e dentes. Como se a estatal fosse o mais valioso patrimônio do povo brasileiro. Será que ainda é?
Após a publicação neste jornal da entrevista que o ex-diretor de Gás e Energia da empresa Ildo Sauer deu ao Broadcast Político, serviço da Agência Estado, há, no mínimo, controvérsias a respeito de tal afirmação. Investigado pelo Tribunal de Contas da União, com os bens bloqueados por ter participado da diretoria da petroleira na época em que esta adquiriu metade do controle acionário da refinaria da belga Astra Oil em Pasadena, no Texas, o especialista reconheceu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva "intensificou o uso político da Petrobrás". Sauer não pertence ao chamado Partido da Imprensa Golpista, o PIG, denominação pejorativa com que os petistas definem jornalistas abelhudos que revelam falcatruas cometidas pela "companheirada" no poder. Tampouco é da oposição "revanchista", que vive procurando pelo em ovo para destronar os populistas desse poder. Ao contrário, ele foi, isso sim, o principal assessor de Lula em petróleo e gás na primeira campanha presidencial vitoriosa deste, razão pela qual foi alçado à diretoria na empresa.
Sauer relatou que, com o advento do presidencialismo de coalizão no Brasil, "no governo Fernando Henrique", passaram a comandar a empresa "despachantes de interesses", a serviço de "contratistas, partidos e políticos". A versão do técnico padece de imprecisão, mas isso não importa tanto. Acontece que a troca de cargos no Executivo por apoio político no Legislativo teve início antes, desde a promulgação da Constituição de 1988, por culpa da qual a negociata passou a ser chamada de "governabilidade", o que tornou o Congresso um balcão de negócios e os cargos em ministérios, autarquias e estatais, moedas de troca.
Isso não tem relevância porque o técnico, que não é simpatizante do PSDB, não citou casos em que o mau uso por ele denunciado de bons empregos na cúpula da Petrobrás tenha sido flagrado e investigado nos governos Sarney, Collor, Itamar ou Fernando Henrique. Não se pode dizer o mesmo das três gestões federais do Partido dos Trabalhadores (PT) - duas sob a batuta de Lula, com Dilma Rousseff ministra de Minas e Energia, depois chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da estatal, e o mandato dela mesma. Comparado com a roubalheira na Petrobrás nestes 12 anos, o "mar de lama" que levou Getúlio ao suicídio se reduz a uma reles pocinha.
Quem tiver alguma dúvida está convidado a ler o noticiário sobre a delação premiada que um ex-colega de Sauer na cúpula da petroleira, Paulo Roberto Costa, tenta obter da Justiça em troca de delatar todos os outros detentores de benefícios durante sua mais que temerária gestão na Diretoria de Abastecimento. Segundo testemunhos, o delator era carinhosamente chamado de Paulinho por Lula em pessoa. E ainda que este volte a exercitar sua recente e conveniente amnésia, desconhecendo pessoas de cuja intimidade notoriamente privou, é indesmentível que o indiciado e preso pela Polícia Federal operou sob a chefia de alguém de alta confiança do ex-presidente da República, José Sérgio Gabrielli, e ao lado da atual presidente da estatal, Graça Foster, que Dilma trata como Gracinha. Não é?
Os meios de comunicação já informaram que o preso, ora em alto destaque, dispõe da nada módica quantia de US$ 23 milhões em contas sigilosas na Suíça. Isso equivale a quase US$ 1 milhão por vez das 24 nas quais foi distinguido com a subida honra de substituir Gabrielli num dos mais acalentados sonhos de consumo de qualquer executivo que se preze no País: o maior poder na maior das empresas pátrias.
O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que a revelação feita pela Veja resulta do "desespero" da oposição ante a perspectiva de perder a eleição. Mas, conforme as pesquisas, Dilma é que está ameaçada por Marina Silva, que, se a eleição fosse hoje, a venceria. Essa bravata confirma que a lógica aristotélica não foi sua disciplina favorita no seminário. Ele já tentou desmentir João Daniel, irmão de Celso, de que teria levado malas de dinheiro de Santo André para a sede nacional do PT. Fez o diabo para apagar suas impressões digitais no escândalo do tráfico de influência de que foi acusada Rosemary Noronha, amiga de Lula. E recentemente, acusado pelo motorista Ferreirinha de tê-lo ameaçado para evitar que este contasse que carregava pacotes de dinheiro para o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, jurou que apenas lhe aconselhou prudência.
Mas sua chefe o superou em desfaçatez ao dizer que, se houve desvio na Petrobrás, "a sangria estancou". Como fazê-lo, se ela nem sabe onde o sangue jorra? E não seria algo como: será proibido roubar se o furto anterior não tiver de ser punido? Ela distorce fatos por estar certa de que o eleitor crerá em tudo o que ela contar em troca da mais Bolsa Família. Como escreveu Ricardo Noblat, em sua coluna no Globo, ela foi, como Lula, surpreendida pelo escândalo do mensalão. Ignorou a suspeita de "malfeitos" atribuídos a Erenice Guerra, seu braço direito na Casa Civil. E se pediu desculpas a Fernando Henrique e à mulher, Ruth, sobre quem foi produzido um dos dossiês falsos chamados pelo delegado Romeu Tuma Jr. de "assassinatos de reputações", nunca puniu os autores.
Agora Dilma quer utilizar a delação do ex-enfant gaté do PT para tornar obrigatório o financiamento público de campanhas e forçar o plebiscito para reformar a política. Nada disso tem que ver com a roubalheira na Petrobrás. É apenas uma tentativa de deixar os gatunos impunes e, em vez de puni-los, lhes transferir a posse do petróleo que, em tese, seria nosso.
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