Editorial do Estadão
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a principal instituição de pesquisa do País, responsável pela coleta dos dados que ajudam na formulação de políticas públicas, de estratégias da iniciativa privada e do planejamento orçamentário dos cidadãos. Por essa razão, é inadmissível a decisão do governo federal de privar o IBGE das verbas necessárias a seu pleno funcionamento. O corte para o ano que vem chegará a 73% do orçamento da entidade.
Já não é de hoje que esse instituto, cuja independência é essencial para sua credibilidade, tem sofrido toda sorte de constrangimentos por parte do governo petista - sempre preocupado em dissimular ou desmoralizar estatísticas que possam desmentir o edulcorado discurso oficial.
Um exemplo desse esforço para minar o IBGE ocorreu em abril, quando a direção do instituto anunciou a inopinada suspensão da divulgação dos resultados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que mostra a situação do mercado de trabalho no País. A publicação dos números deveria ocorrer no mês seguinte, maio, mas foi adiada para janeiro de 2015 - portanto, depois das eleições presidenciais.
Alegava a diretoria do IBGE que havia a necessidade de eliminar dúvidas sobre alguns dados, por exigências legais. Essa desculpa foi considerada inaceitável pelo corpo técnico da Diretoria de Pesquisa do IBGE - cuja responsável, Marcia Quintslr, demitiu-se, recebendo a solidariedade de gerentes e coordenadores da área.
A polêmica se explica quando se observa que a Pnad Contínua havia apontado um desemprego médio de 7,1% em 2013 - bem acima do índice medido pela Pesquisa Mensal de Emprego, que tem ficado em torno de 5% e é o número usado na propaganda da presidente Dilma Rousseff em sua campanha à reeleição.
A ingerência política é apenas parte de um processo de enfraquecimento do IBGE - deixando o instituto à mercê dos interesses do governo. Os seguidos cortes orçamentários já resultaram em diminuição de escopo e mesmo de cancelamento de diversas pesquisas do instituto.
No começo deste ano, o governo já havia reduzido de R$ 214 milhões para R$ 193 milhões as verbas do IBGE para pesquisas. Agora, o Ministério do Planejamento decidiu que o orçamento do instituto para 2015, fixado em R$ 766 milhões, será de apenas R$ 204 milhões. Com isso, serão adiados o Censo Agropecuário e a Contagem da População, que custariam R$ 562 milhões e seriam feitos nos dois próximos anos. Os prejuízos causados por essa decisão são imensos.
O Censo Agropecuário pesquisa todas as propriedades rurais do País e levanta a situação tanto de seus proprietários como dos empregados, além da produção. Trata-se, portanto, de um instrumento essencial para o planejamento do agronegócio e para o levantamento das necessidades do setor, que tem liderado a economia do País nos últimos anos.
Já a Contagem da População, além de estimar o total de habitantes, mensura movimentos migratórios e pesquisa os detalhes necessários para balizar o cálculo da distribuição dos fundos de participação de Estados e municípios em tributos federais. A possibilidade de distorção nos cálculos graças ao contingenciamento é evidente.
A asfixia financeira do IBGE compromete profundamente a qualidade de seu trabalho. Graças à crise, o quadro de funcionários do instituto é hoje composto por mais de 40% de contratados por tempo determinado, que ganham salários muito inferiores aos dos servidores efetivos. Essa situação levou os funcionários do instituto a uma greve que durou mais de dois meses. Com a paralisação, o levantamento dos dados para a Pesquisa Mensal de Emprego ocorreu de forma apenas parcial, resultando em indicadores de consistência duvidosa.
O enfraquecimento do IBGE interessa a autoridades que se empenham em negar a realidade. Portanto, é imperativo impedir que esse importante órgão do Estado se transforme em mera linha auxiliar de um partido ou de um governo.
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