GIULIANA VALLONE, 20/07/2014 NA FOLHA
Na peça "O Pai", de 1887, o dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912) já questionava por que seria pouco viril um homem chorar.
Hoje, na segunda década do século 21, tem quem ache que ainda é preciso lutar pelo direito do homem às lágrimas.
Por exemplo o pessoal da recém-criada campanha "Homens Libertem-se", que reivindica o direito à sensibilidade para o chamado sexo forte.
Campanha, aliás, inventada por uma mulher, a atriz Maíra Lana, e abraçada por artistas, entre eles o músico Paulinho Moska, o produtor cultural Nelson Mota e os atores Nico Puig, Marcos Breda e Igor Rickli.
Em seu manifesto divulgado pela internet, o movimento defende o carinho entre amigos, o direito de falhar na cama, "de se maravilhar diante da beleza de uma flor" e o fim da obrigatoriedade do serviço militar.
Agora, seus criadores conseguiram autorização para captar, via Lei Rouanet, R$ 400 mil. O dinheiro, explicam, será usado para divulgar essas reivindicações com "atividades sociais e artísticas". De concreto, está programada a distribuição entre homens de saias estampadas com as diretrizes do manifesto em 12 cidades do país, entre elas São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador e Natal.
Segundo Maíra Lana, serão organizados eventos com grupos artísticos em cada local, que ainda dependem da captação de recursos.
O homem que receber uma saia deve, em troca, doar sua calça ao movimento.
Além disso, haverá queima de objetos que, segundo os organizadores, simbolizam o conceito de masculinidade, como gravatas, cintos e dinheiro -mas de mentira.
O "protesto incendiário" é uma clara referência ao episódio que ficou conhecido como queima de sutiãs, em 1968, nos EUA, quando cerca de 400 mulheres se reuniram para contestar os ideais opressores de beleza e objetificação perpetuados pelo concurso de Miss America. Mas elas acabaram não queimando as peças.
O grupo prepara no momento uma intervenção durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), no dia 2 de agosto, que inclui cortejo de homens com saias e tem como conceito a dificuldade masculina de lidar com a perda, em alusão à Copa.
SUTILEZA
Criticado por chorar ao ser eliminado do reality show "Aprendiz Celebridades" exibido em maio pela Record, o ator Nico Puig, 41, se juntou à campanha após o episódio.
"Muito homem não quer ser o cara que põe o pau na mesa. Quer se inserir de forma mais sutil na sociedade. Não estamos defendendo o direito de usar saia, e sim os direitos dos seres humanos de terem sua individualidade respeitada", diz.
Para o ator Marcos Breda, 53, o papel do homem no século 21 tem de ser repensado. "O fato de eu ser um homem heterossexual de 50 anos não significa que eu preciso seguir os preceitos do meu avô, de que homem não chora, não broxa, não pode cuidar dos filhos e da casa."
FEMININO
Jorge Lira, do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidades da Universidade Federal de Pernambuco, admite que o preconceito com os homens existe, especialmente em situações nas quais seu comportamento se aproxima do que é considerado feminino pela sociedade.
Ele ressalta, porém, que é preciso ir além das intervenções artísticas para avançar na discussão. "É preciso que seja algo propositivo, que contemple a agenda política. Porque, a depender de como for feito, pode parecer uma banalização", afirma.
Lira cita a campanha organizada por Neymar contra o racismo no futebol, em que celebridades se fotografaram com bananas sob o lema "somos todos macacos". "Não dá para resolver uma questão tão séria com isso", reclama.
Para o psiquiatra Luiz Cuschnir, do Hospital das Clínicas de SP, vale a discussão, mas algumas reivindicações estão fora de moda, como a da participação dos homens nas tarefas domésticas."Não é uma questão agora. Era em outras décadas."
Fonte: Folha.com
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