RESPOSTA DE DEMÉTRIO MAGNOLI
A lista do PT
A personificação dos ‘inimigos da pátria’ é um truque circunstancial: os nomes podem sempre variar, ao sabor das conveniências
POR DEMÉTRIO MAGNOLI
19/06/2014
Lula só pensa naquilo. Diante das vaias (normais no ambiente dos estádios) e dos xingamentos (deploráveis em qualquer ambiente) a Dilma Rousseff na abertura da Copa, o presidente de facto construiu uma narrativa política balizada pela disputa eleitoral. A “elite branca” e a “mídia”, explicou, difundem “o ódio” contra a presidente-candidata. Os conteúdos dessa narrativa têm o potencial de provocar ferimentos profundos numa convivência democrática que se esgarça desde a campanha de ataques sistemáticos ao STF deflagrada pelo PT.
O partido que ocupa o governo decidiu, oficialmente, produzir uma lista de “inimigos da pátria”. É um passo típico de tiranos — e uma confissão de aversão pelo debate público inerente às democracias. Está lá, no site do PT, com a data de 16 de junho (http://www.pt.org.br/alberto-cantalice-a-desmoralizacao-dos-pitbulls-da-grande-midia/). O artigo assinado por Alberto Cantalice, vice-presidente do partido, acusa “os setores elitistas albergados na grande mídia” de “desgastar o governo federal e a imagem do Brasil no exterior” e enumera nove “inimigos da pátria” — entre os quais, este colunista. Nas escassas 335 palavras da acusação, o representante do PT não cita frase alguma dos acusados: a intenção não é provar um argumento, mas difundir uma palavra-de-ordem. Cortem-lhes as cabeças!, conclama o texto hidrófobo. O que fariam os Cantalices sem as limitações impostas pelas instituições da democracia?
O artigo do PT é uma peça digna de caluniadores que se querem inimputáveis. Ali, entre outras mentiras, está escrito que os nove malditos “estimulam setores reacionários e exclusivistas a maldizer os pobres e sua presença cada vez maior nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes”. Não há, claro, uma única prova textual do crime de incitação ao ódio social. Sem qualquer sutileza, Cantalice convida seus seguidores a caçar os “inimigos da pátria” nas ruas. Comporta-se como um miliciano (ainda) sem milícia.
Os nove malditos quase nada têm em comum. Politicamente, mais discordam que concordam entre si. A lista do PT orienta-se apenas por um critério: a identificação de vozes públicas (mais ou menos) notórias de críticos do governo federal. O alvo óbvio é a imprensa independente, na moldura de uma campanha de reeleição comandada pelo ex-ministro Franklin Martins, o arauto-mor do “controle social da mídia”. A personificação dos “inimigos da pátria” é um truque circunstancial: os nomes podem sempre variar, ao sabor das conveniências. O truque já foi testado uma vez, na campanha contra o STF, que personificou na figura de Joaquim Barbosa o ataque à independência do Poder Judiciário. Eles gostariam de governar um outro país — sem leis, sem juízes e sem o direito à divergência.
Cortem-lhes a cabeça! A palavra-de-ordem emana do partido que forma o núcleo do governo. Ela está dirigida, imediatamente, aos veículos de comunicação que publicam artigos ou difundem comentários dos “inimigos da pátria”. A mensagem direta é esta: “Nós temos as chaves da publicidade da administração direta e das empresas estatais; cassem a palavra dos nove malditos”. A mensagem indireta tem maior amplitude: no cenário de uma campanha eleitoral tingida de perigos, trata-se de intimidar os jornais, os jornalistas e os analistas políticos: “Vocês podem ser os próximos”, sussurra o persuasivo porta-voz do presidente de facto.
No auge de sua popularidade, Lula foi apupado nos Jogos Panamericanos de 2007. Dilma foi vaiada na Copa das Confederações. As vaias na abertura da Copa do Mundo estavam escritas nas estrelas, mesmo se o governo não experimentasse elevados índices de rejeição. O governo sabia que viriam, tanto que operou (desastrosamente) para esconder a presidente-candidata dos olhos do público. Mas, na acusação desvairada de Cantalice, os nove malditos figuram como causa original da hostilidade da plateia do Itaquerão contra Dilma! O ditador egípcio Hosni Mubarack atribuiu a revolução popular que o destronou a “potências estrangeiras”. Vladimir Putin disse que o dedo de Washington mobilizou um milhão de ucranianos para derrubar o governo cleptocrático de Viktor Yanukovich. O PT bate o recorde universal do ridículo quando culpa nove comentaristas pela recepção hostil a Dilma.
Quanto aos xingamentos, o exemplo nasce em casa. Lula qualificou o então presidente José Sarney como “ladrão” e, dias atrás, disse que FHC “comprou” a reeleição (uma acusação que, nos oito anos do Planalto, jamais levou à Justiça). O que gritaria o presidente de facto no anonimato da multidão de um estádio?
Na TV Estadão, critiquei o candidato presidencial José Serra por pregar, na hora da proclamação do triunfo eleitoral de Dilma Rousseff, a “resistência” na “trincheira democrática”. A presidente eleita, disse na ocasião, é a presidente de todos os brasileiros — inclusive dos que nela não votaram. Dois anos mais tarde, escrevi uma coluna intitulada “O PT não é uma quadrilha”, publicada nos jornais O GLOBO e “O Estado de S. Paulo” (25/10/2012), para enfatizar que “o PT é a representação partidária de uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros” e fazer o seguinte alerta às oposições: “Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos do país de ser uma quadrilha”. A diferença crucial que me separa dos Cantalices do PT não se encontra em nossas opiniões sobre cotas raciais, “conselhos participativos” ou Copa do Mundo. Nós divergimos, essencialmente, sobre o valor da liberdade política e da convivência democracia.
Se, de fato, como sugere o texto acusatório do PT, o que mais importa é a “imagem do país no exterior”, o “inimigo da pátria” chama-se Cantalice. Nem mesmo os black blocs, as violências policiais ou a corrupção sistemática são piores para a imagem de uma democracia que uma “lista negra” semi-oficial de críticos do governo.
Demétrio Magnoli é sociólogo
Fonte: O Globo
RESPOSTA DE ARNALDO JABOR
Entrevista exclusiva com Stalin
'O camarada está sendo relembrado em tantos países, inclusive na Rússia'
“Entrevista? Eu?”
— Sim, camarada Stalin... Estamos em um momento histórico importante... O camarada está sendo relembrado em tantos países, inclusive na Rússia. O camarada está na moda...
— Você é do Brasil, não é? Saudades do Prestes... Ele está onde?
— Morreu e deve estar por aqui.
— Aqui neste limbo onde estou não tem ninguém. É o purgatório dos ditadores; não há ninguém para nos ouvir. Imenso céu branco e vazio. Esta é a nossa punição.
— Você está feliz aqui, “tovarich”?
— Eu virei uma sombra do que fui; sou até usado como xingamento, confundido com os fascistas e nazistas que eram uma imitação barata do bolchevismo. Esses merdas deviam me agradecer porque não existiriam se eu não tivesse mandado aqueles comunas alemães não votar na social-democracia, nossa principal inimiga. Aí, o nazismo ganhou. Se não fosse eu, o Hitler não tinha subido...
— Você tem orgulho do comunismo?
— O comunismo, camarada, é o substituto do sonho de “imortalidade” dos cristãos. Comunista não morre; vira um conceito. O homem é um ser social, não é? Pois é: o ser social nunca morre. O indivíduo é uma ilusão que criou essa dor melodramática. Quem morre é pequeno-burguês.
— Mas, na boa, camarada, você matou muita gente...
— Me acusam muito de crueldade, mas fazíamos uma mutação na vida humana e é impossível fazer uma revolução sem crueldade, sem tirania… O próprio Hitler, que me plagiava, disse: “Temos de ser cruéis. Temos de manter a consciência tranquila de sermos cruéis”. E eu digo que se não fôssemos cruéis não teríamos o socialismo. Como é que eu ia coletivizar a agricultura sem matar uns 800 mil “kulaks”, aqueles camponeses alienados, chupa-sangues, vampiros?
— Mas, camarada, você não exagerou?
— Ora, tanto faz. A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística. Temos de combater essas inibições pequeno-burguesas. Tivemos que dar muito conhaque para meus militares baterem um recorde: 28 mil traidores fuzilados em quatro semanas. Sete mil por semana. Os soldados, ainda calouros no bolchevismo, tinham de beber muito para cumprir minhas ordens... Vomitavam, choravam, mas deram conta. Foi um dos meus recordes. Sem contar os 40 mil oficiais do Exército que fuzilei. A única frase do canalha do Trotsky que presta é: “Quem foi que inventou que a vida humana é sagrada?”.
— Mas o camarada não sentia culpa?
— Nada. A compaixão é um sentimento de enfermeiras, assim como a gratidão é uma doença de cachorros... Cá entre nós, não tenho mais de esconder nada, a euforia que me tomava com a morte de milhares de homens por minhas ordens era uma deliciosa vertigem. Muita gente que justicei não tinha noção da maravilha que era construir o Homem Novo. Eu comecei a construção do soviético essencial: frio, fiel escravo do Partido que está sempre certo. Vocês têm na terra um bom exemplo: a Coreia do Norte. Mas aquele garoto é um estúpido feito o pai. São um exército de imbecis. Você viu o ridículo: todo mundo fingindo chorar quando morreu o papai do garoto? Eu fazia uma história nova; não esta historinha burguesa não, mas a História! Já pensou: milhões de homens iguais a mim? Eu, eu, eu, milhões de Stalins? O Homem Novo não sente falta da individualidade perdida. Ele ganha o encanto infinito da servidão, a religião, a alegria de pertencer a um partido infalível. Dá um alívio não ter que pensar, só obedecer. Ainda bem que os camponeses russos eram analfabetos e não podiam ler jornais e livros do país. Aliás, Hitler escreveu: “Que sorte para os ditadores que os homens não pensem.” A construção do Homem Novo custou muito sangue, eu sei, mas não tinha outro jeito. Difícil foi na Ucrânia, quando proibi comida naquele buraco de traidores e de “kulaks” reacionários. Morreram mais de 4 milhões de fome, teve até canibalismo, dizem, mas a Ideia justifica tudo.
— Mas, camarada, você sempre falou que almejava a democracia…
— Eu falei foi sobre o centralismo democrático do Partido; não essa besteira de democracia burguesa sem controle, sem comando. Eu comandei a democracia interna sempre. Quando tive de expurgar agentes trotskistas, foi também uma festa poder limpar as estrebarias do Comitê Central. Dos 139 membros, fuzilei 98... Ah... Saudades do Zinoviev, Kamenev, Rykov, Bukharin…
— Eles tiveram liberdade de defesa?
— “Liberdade para quê?”, como respondeu Lenin quando vencemos. Com liberdade não teríamos fuzilado a família do czar Nicolau II; só um bolchevique profundo teria sangue frio para ver as criancinhas morrendo sob balas. Esse é o preço da liberdade: a vigilância absoluta. Mas, o Brasil está seguro contra os perigosos agentes de direita, neoliberais e espiões do imperialismo. Vocês sabem que nós criamos os “sovietes” na Rússia, os conselhos, como chamam vocês... Parabéns. Os conselhos são um primeiro passo para controlar essa besteira de democracia representativa, que vocês tiveram a sabedoria de usar, mas agora atrapalha a construção do bolivarianismo (ah, esse meu filhote bastardo...). Ao menos minhas ideias ainda repercutem… Veja a Venezuela, Argentina, tantos seguidores. A única coisa que importa é o controle da sociedade. Temos de tutelá-la. Eu já disse uma vez: o povo deve ser educado com o mesmo cuidado com que um jardineiro cultiva uma árvore de estimação. As ideias são muito mais poderosas do que as armas. Nós não permitimos que nossos inimigos tenham armas, por que deveríamos permitir que tenham ideias? Acho que seu país está no bom caminho: controlar a mídia, como vocês chamam hoje. A imprensa é a arma mais poderosa de nosso partido e vocês vão seguir nosso exemplo. Toda propaganda tem que ser popular e acomodar-se à compreensão dos menos inteligentes. Como você vê, estou repetindo as frases da besta do Hitler. Mas ele nos deu um bom conselho, que serve muito para seu país, caro jornalista: “Quanto maior a mentira, maior é a chance de ela ser acreditada”. O povão não sabe nada. É isso aí, cumpanheiros: vão em frente que a luta continua...
Fonte: O Globo