Tendo
a missão de cobrir a Copa do Mundo, o jornalista desistiu e voltou para
a Dinamarca ao ter contato com os problemas sociais do Brasil,
especialmente de Fortaleza
Até aonde você iria por um sonho? O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen desejava cobrir a Copa do Mundo no Brasil, o “país do futebol”. Preparou-se bem: estudou português, pesquisou sobre o país e veio para cá em setembro de 2013.
Em meio a uma onda de críticas e análises de fora sobre os problemas sociais do Brasil, Mikkel quis registrar a realidade daqui e divulgar depois. A missão era, além de mostrar o lado belo, conhecer o ruim do país que sediará a Copa do Mundo. Tendo em vista isso, entrevistou várias crianças que moram em comunidades ou nas ruas.
Em março de 2014, ele veio para Fortaleza, a cidade-sede mais violenta, com base em estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao conhecer a realidade local, o jornalista se decepcionou. “Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar”.
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Descobriu
a corrupção, a remoção de pessoas, o fechamento de projetos sociais nas
comunidades. E ainda fez acusações sérias. “Falei com algumas pessoas
que me colocaram em contato com crianças da rua e fiquei sabendo que
algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando estão
dormindo à noite em área com muitos turistas”.
Desistiu das belas praias e do sol o ano inteiro. Voltou para a Dinamarca na segunda-feira (14). O medo foi notícia em seu país, tendo grande repercussão. Acredita que somente com educação e respeito é que as coisas vão mudar. “Assim, talvez, em 20 anos [os ricos] não precisem colocar vidro à prova de balas nas janelas”. E para Fortaleza, ou para o Brasil, talvez não volte mais. Quem sabe?
Confira na íntegra o depoimento:
A Copa – uma grande ilusão preparada para os gringos
Quase
dois anos e meio atrás eu estava sonhando em cobrir a Copa do Mundo no
Brasil. O melhor esporte do mundo em um país maravilhoso. Eu fiz um
plano e fui estudar no Brasil, aprendi português e estava preparado para
voltar.
Voltei em setembro
de 2013. O sonho seria cumprido. Mas hoje, dois meses antes da festa da
Copa, eu decidi que não vou continuar aqui. O sonho se transformou em um
pesadelo.
Durante cinco
meses fiquei documentando as consequências da Copa. Existem várias:
remoções, forças armadas e PMs nas comunidades, corrupção, projetos
sociais fechando. Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por
causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar.
Em
março, eu estive em Fortaleza para conhecer a cidade mais violenta a
receber um jogo de Copa do Mundo até hoje. Falei com algumas pessoas que
me colocaram em contato com crianças da rua, e fiquei sabendo que
algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando estão
dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar a
cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de
mim?
Em Fortaleza eu
encontrei com Allison, 13 anos, que vive nas ruas da cidade. Um cara com
uma vida muito difícil. Ele não tinha nada – só um pacote de amendoins.
Quando nos encontramos ele me ofereceu tudo o que tinha, ou seja, os
amendoins. Esse cara, que não tem nada, ofereceu a única coisa de valor
que tinha para um gringo que carregava equipamentos de filmagem no valor
de R$ 10.000 e um Master Card no bolso. Inacreditável.
Mas
a vida dele está em perigo por causa de pessoas como eu. Ele corre o
risco de se tornar a próxima vítima da limpeza que acontece na cidade de
Fortaleza.
Eu não posso
cobrir esse evento depois de saber que o preço da Copa não só é o mais
alto da história em reais – também é um preço que eu estou convencido
incluindo vidas das crianças.
Hoje,
vou voltar para Dinamarca e não voltarei para o Brasil. Minha presença
só está contribuindo para um desagradável show do Brasil. Um show, que
eu dois anos e meio atrás estava sonhando em participar, mas hoje eu vou
fazer tudo o que estiver ao meu alcance para criticar e focar no preço
real da Copa do Mundo do Brasil.
Alguém quer dois ingressos para França x Equador no dia 25 de junho?
Mikkel Jensen – Jornalista independente da Dinamarca
O Tribuna do Ceará entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para comentar acerca da possível “matança” comentada pelo jornalista dinamarquês, mas até a publicação desta matéria não foi enviada a resposta.
(*) A pedido de Mikkel, este artigo foi publicado com o jornalista já na Dinamarca.
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