Valesca Popozuda numa prova de filosofia e o fim da escola. Ou: Popozuda é a nossa Schopenhauer
Valesca, cuja música virou tema de uma prova de filosofia: ela dá o que pensar
A escola
brasileira acabou, morreu, foi para o ralo. Virou lixo. Foi vítima de
“progressiste” aguda. A “progressiste” é uma infecção provocada por um
vírus cuja letalidade se deve à mente torta de Paulo Freire, que muita
gente considera um santo. Não é que ele tenha criado o bichinho
original. Mas foi quem o espalhou. A “progressiste” — que é o
progressismo na sua fase terminal — inverte a lógica da educação: em vez
de o professor ter algo a ensinar ao aluno, é o aluno que deve levar a
sua experiência ao professor. Ou, então, ter-se-ia uma “relação
autoritária” e “não dialógica”, compreendem? No domingo, eu assistia ao
Fantástico e fui até o ponto em que uma reportagem cantava as glórias de
professores “criativos”, sabem?, que resolvem entrar no universo do
“educando”. Era a apologia da morte do conteúdo e do currículo. Cada um
brinca do que quiser em sala de aula. Confesso que não aguentei a
conversa torta até o fim. Tinha mais o que fazer. Não sei se vi, mas é
possível, uma senhora, professora talvez, gingando em ritmo de funk ao
algo assim. Ok. Não é aprendendo oboé que os pobres vão parar no
“Esquenta” da Regina Casé, tá certo?
Vejo agora
que um professor de filosofia do Centro de Ensino Médio 3 de
Taguatinga, no Distrito Federal, aplicou uma prova de filosofia —
teste!!! — a seus alunos e resolveu, como direi?, “incorporar” Valesca
Popozuda, que virou uma questão. Pois é… Até Dilma Rousseff estava dando
“beijinho no ombro” no Twiiter outro dia. A Dilma Popozuda é a Dilma
Bolada em ritmo de funk. A questão é esta:
Dá
preguiça debater o mérito da escolha, entrar nas “paulo-freirices” sobre
o universo do educando. O que acho mais espantoso, se querem saber, é a
formulação. Não sei se a prova trazia a letra, a saber:
Desejo a todas inimigas vida longa Pra que elas vejam cada dia mais nossa vitória Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba Aqui dois papos não se cria e nem faz história
Como se
vê, a resposta não demanda nem mesmo interpretação de texto. Se a letra,
no entanto, não estava disponível, muito pior porque, para “acertar”,
seria preciso tê-la na memória. O que o professor, Antônio Kubitschek é
nome dele (não sei se parente do ex-presidente), queria testar? Não sei.
No dia 27 de setembro de 2011, escrevi aqui um post texto intitulado “O Brasil precisa de menos sociólogos e filósofos e de mais engenheiros que se expressem com clareza”. Notem que escrevi “precisa DE menos” e não “precisa MENOS”.
São coisas distintas.
Como há por aí filósofos e sociólogos que
precisam DE MAIS LEITURA, muita gente não entendeu o que leu. Fazer o
quê? Eu nunca neguei que escrevo para pessoas alfabetizadas. O texto me
rende ataques bucéfalos até hoje.
Eu
criticava, então, uma proposta estúpida que alguém fez à Secretaria de
Educação de São Paulo, sugerindo que o ensino médio desse menos aulas de
matemática e língua portuguesa em benefício da filosofia e da
sociologia. Felizmente, o governador Geraldo Alckmin repudiou a ideia e
pôs um fim à conversa mole.
Qual é o
busílis? Seja na escola pública, seja na escola privada, os currículos
de filosofia e de sociologia ainda não estão definidos. Cada um “ensina”
o que quiser. Não raro, as aulas se transformam em meros pretextos para
o proselitismo ideológico — na esmagadora maioria das vezes, de
esquerda. “SE FOSSE DE DIREITA, VOCÊ IRIA GOSTAR, REINALDO AZEVEDO?” Não
também! Professor não é pregador; não é líder partidário; não é pastor;
não é sacerdote.
Hoje, são
poucos os alunos que não levam na ponta da língua o discurso — e não
mais do que o discurso — da igualdade e da justiça, mas não sabem fazer
conta; não dominam o instrumental básico da língua para se expressar com
clareza fora de suas “tribos”. Não por acaso, o país fica sempre nos
últimos lugares nas provas do PISA, com um desempenho incompatível com o
tamanho de sua economia.
A escola brasileira é o reino do vale-tudo.
E estamos piorando. Vou reproduzir um trecho de uma entrevista que o poeta Bruno Tolentino, meu querido amigo, concedeu à VEJA na edição nº 1436, de 20 de março de 1996 — HÁ LONGOS 18 ANOS, PORTANTO. Bruno morreu no dia 27 de junho de 2007 sem ver o fundo do poço. Leiam. Volto para encerrar
E estamos piorando. Vou reproduzir um trecho de uma entrevista que o poeta Bruno Tolentino, meu querido amigo, concedeu à VEJA na edição nº 1436, de 20 de março de 1996 — HÁ LONGOS 18 ANOS, PORTANTO. Bruno morreu no dia 27 de junho de 2007 sem ver o fundo do poço. Leiam. Volto para encerrar
VEJA — Por que tantas brigas ao mesmo tempo?
TOLENTINO —
Para ver se o pessoal cai em si e muda de mentalidade. O Brasil é um
país vital que está caindo aos pedaços. Não quero sair outra vez da
minha terra, mas não posso ficar aqui sem minha família, que está na
França. Não posso educar filho em escola daqui.
VEJA — Por que não?
TOLENTINO —
Foi minha mulher quem disse não. Educar um filho ao lado de Olavo
Bilac, última flor do Lácio inculta e bela, que aconteceu e sobreviveu,
ao lado de um violeiro qualquer que ela nem sabe quem é, este Velosô,
causou-lhe espanto. A escola que ela procurou para fazer a matrícula tem
uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa,
Drummond, Manuel Bandeira e Caetano. O menino seria levado a acreditar
que é tudo a mesma coisa. Ele nasceu em Oxford, viveu na França e poderá
morar no Rio de Janeiro. Ele diz que seu cérebro tem três partes. Mas
não aceitamos que uma dessas partes seja ocupada pelo show business.
VEJA — Qual o problema?
TOLENTINO —
Minha mulher já havia se conformado com os seqüestros e balas perdidas
do Rio, mas ficou indignada e espantada pelo fato de se seqüestrar o
miolo de uma criança na sala de aula. Se fosse estudar no Liceu
Condorcet, em Paris, jamais seria confundido sobre os valores do poeta
Paul Valéry e do roqueiro Johnny Hallyday, por exemplo. Uma vez
entortado o pepino, não se desentorta mais. Jamais educaria um filho meu
numa escola ou universidade brasileira.
VEJA — Não é levar Caetano Veloso a sério demais? Ele não é só um tema de currículo, entre tantos outros?
TOLENTINO —
Não. Ele está também virando tese de professores universitários. Tenho
aqui um livro, Esse Cara, sobre Caetano, uma espécie de guia para
mongolóides, e a mesma editora desse livro me pede para escrever um
outro, sob o título Caetano Se Engana. É preciso botar os pingos nos is.
Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais
poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura.
VEJA — O que você tem contra a música popular?
TOLENTINO —
Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary
Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei
a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta
cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros
países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é
que letra de música vai se confundir com poesia?
(…)
Retomo
Caetano em sala de aula? Pois é… Já lá se
vão quase 20 anos. Poderia valer por um Kant, não é mesmo? Não duvidem: a
vaca foi para o brejo. Todas as tentativas feitas, em qualquer esfera,
de botar alguma ordem na educação brasileira, dando-lhe, quando menos,
um currículo esbarram no gigantismo da estrutura, nas corporações
sindicais e da ideologia rombuda.
A escola
brasileira é o reino em que tudo é possível. Por lá, “todas as
experiências são válidas”. Há 18 anos, como aponta Bruno, as coisas já
estavam tortas. Depois pioraram. O que se manifestava como um “trabalho
de resistência” virou ideologia oficial.
Ao comentar a sua prova, o professor ainda empresta um certo sotaque feminista à coisa, entendem? Leiam o que disse ao Estadão: “A
prova foi uma provocação. Recebemos várias críticas, e muitas pessoas
nem sabem o conteúdo da prova. Colocaram (a Valesca) como um ser que não
é pensante, só porque é mulher e funkeira. Se fosse o Mano Brown ou o
Gabriel, o Pensador, não teria dado esta polêmica”.
É, talvez
não tivesse dado essa polêmica… Notem que, no seu discurso, Mano Brown e
“Gabriel, o Pensador” já se tornaram, como posso dizer?, referências
“conservadoras”.
A escola brasileira morreu. Teremos de recomeçar do zero.
Por Reinaldo Azevedo