Marco Antonio Villa
O Brasil é um país fantástico. Nulidades são
transformadas em gênios da noite para o dia. Uma eficaz máquina de
propaganda faz milagres. Temos ao longo da nossa História diversos
exemplos. O mais recente é Dilma Rousseff.
Surgiu no mundo político brasileiro há uma década. Durante o regime
militar militou em grupos de luta armada, mas não se destacou entre as
lideranças. Fez política no Rio Grande do Sul exercendo funções pouco
expressivas. Tentou fazer pós-graduação em Economia na Unicamp, mas
acabou fracassando, não conseguiu sequer fazer um simples exame de
qualificação de mestrado. Mesmo assim, durante anos foi apresentada como
"doutora" em Economia. Quis-se aventurar no mundo de negócios, mas
também malogrou. Abriu em Porto Alegre uma lojinha de mercadorias
populares, conhecidas como "de 1,99". Não deu certo. Teve logo de fechar
as portas.
Caminharia para a obscuridade se vivesse num país politicamente
sério. Porém, para sorte dela, nasceu no Brasil. E depois de tantos
fracassos acabou premiada: virou ministra de Minas e Energia. Lula disse
que ficou impressionado porque numa reunião ela compareceu munida de um
laptop. Ainda mais: apresentou um enorme volume de dados que, apesar de
incompreensíveis, impressionaram favoravelmente o presidente eleito.
Foi nesse cenário, digno de O Homem que Sabia Javanês, que Dilma
passou pouco mais de dois anos no Ministério de Minas e Energia. Deixou
como marca um absoluto vazio. Nada fez digno de registro. Mas novamente
foi promovida. Chegou à chefia da Casa Civil após a queda de José
Dirceu, abatido pelo escândalo do mensalão. Cabe novamente a pergunta:
por quê? Para o projeto continuísta do PT a figura anódina de Dilma
Rousseff caiu como uma luva. Mesmo não deixando em um quinquênio uma
marca administrativa - um projeto, uma ideia -, foi alçada a sucessora
de Lula.
Nesse momento, quando foi definida como a futura ocupante da cadeira
presidencial, é que foi desenhado o figurino de gestora eficiente, de
profunda conhecedora de economia e do Brasil, de uma técnica exemplar,
durona, implacável e desinteressada de política. Como deveria ser uma
presidente - a primeira - no imaginário popular.
Deve ser reconhecido que os petistas são eficientes. A tarefa foi
dura, muito dura. Dilma passou por uma cirurgia plástica, considerada
essencial para, como disseram à época, dar um ar mais sereno e simpático
à então candidata. Foi transformada em "mãe do PAC". Acompanhou Lula
por todo o País. Para ela - e só para ela - a campanha eleitoral começou
em 2008. Cada ato do governo foi motivo para um evento público, sempre
transformado em comício e com ampla cobertura da imprensa. Seu criador
foi apresentando homeopaticamente as qualidades da criatura ao
eleitorado. Mas a enorme dificuldade de comunicação de Dilma acabou
obrigando o criador a ser o seu tradutor, falando em nome dela - e
violando abertamente a legislação eleitoral.
Com base numa ampla aliança eleitoral e no uso descarado da máquina
governamental, venceu a eleição. Foi recebida com enorme boa vontade
pela imprensa. A fábula da gestora eficiente, da administradora
cuidadosa e da chefe implacável durante meses foi sendo repetida. Seu
figurino recebeu o reforço, mais que necessário, de combatente da
corrupção. Também, pudera: não há na História republicana nenhum caso de
um presidente que em dois anos de mandato tenha sido obrigado a demitir
tantos ministros acusados de atos lesivos ao interesse público.
Com o esgotamento do modelo de desenvolvimento criado no final do
século 20 e um quadro econômico internacional extremamente complexo, a
presidente teve de começar a viver no mundo real. E aí a figuração
começou a mostrar suas fraquezas. O crescimento do produto interno bruto
(PIB) de 7,5% de 2010, que foi um componente importante para a vitória
eleitoral, logo não passou de uma recordação. Independentemente da
ilusão do índice (em 2009 o crescimento foi negativo: -0,7%), apesar de
todos os artifícios utilizados, em 2011 o crescimento foi de apenas
2,7%. Mas para piorar, tudo indica que em 2012 não tenha passado de 1%.
Foi o pior biênio dos tempos contemporâneos, só ficando à frente, na
América do Sul, do Paraguai. A desindustrialização aprofundou-se de tal
forma que em 2012 o setor cresceu negativamente: -2,1%. O saldo da
balança comercial caiu 35% em relação à 2011, o pior desempenho dos
últimos dez anos, e em janeiro deste ano teve o maior saldo negativo em
24 anos. A inflação dá claros sinais de que está fugindo do controle. E a
dívida pública federal disparou: chegou a R$ 2 trilhões.
As promessas eleitorais de 2010 nunca se materializaram. Os milhares
de creches desmancharam-se no ar. O programa habitacional ficou
notabilizado por acusações de corrupção. As obras de infraestrutura
estão atrasadas e superfaturadas. Os bancos e empresas estatais
transformaram-se em meros instrumentos políticos - a Petrobrás é a mais
afetada pelo desvario dilmista.
Não há contabilidade criativa suficiente para esconder o óbvio: o
governo Dilma Rousseff é um fracasso. E pusilânime: abre o baú e
recoloca velhas propostas como novos instrumentos de política econômica.
É uma confissão de que não consegue pensar com originalidade. Nesse
ritmo, logo veremos o ministro Guido Mantega anunciar uma grande
novidade para combater o aumento dos preços dos alimentos: a criação da
Sunab.
Ah, o Brasil ainda vai cumprir seu ideal: ser uma grande Bruzundanga.
Lá, na cruel ironia de Lima Barreto, a Constituição estabelecia que o
presidente "devia unicamente saber ler e escrever; que nunca tivesse
mostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que não
tivesse vontade própria; que fosse, enfim, de uma mediocridade total".
* HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)