O Brasil preso à Casa Rosada
O Brasil é oficialmente governado pela presidente Dilma Rousseff e
sua capital é Brasília, mas as decisões mais importantes da diplomacia
comercial brasileira vêm sendo tomadas na Casa Rosada, em Buenos Aires,
capital da República Argentina. Se o governo argentino se recusa a
negociar seriamente e de forma razoável um acordo comercial com a União
Europeia, o acordo fica emperrado e as autoridades brasileiras aceitam e
se conformam. Pelo menos até agora tem sido esse o procedimento-padrão.
É o mesmo seguido, regularmente, quando a presidente argentina decide
impor mais uma barreira comercial ao Brasil ou prorrogar o acordo
automotivo e reformar suas regras. As autoridades brasileiras ainda se
expõem, no mínimo, ao ridículo, com a mesma subserviência, ao apoiar
abertamente a Casa Rosada em suas disputas com as vítimas inconformadas
do calote declarado em 2001.
No mês passado o novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, Mauro Borges, voltou de Buenos Aires com uma exibição
de otimismo quanto à negociação entre Mercosul e União Europeia.
Segundo ele, no começo de abril o governo argentino apresentaria uma
lista suficiente de ofertas para permitir o avanço das conversações com
os europeus. Brasil, Paraguai e Uruguai já haviam apresentado suas
listas e só esperavam a proposta argentina, já muito atrasada, para
planejar os próximos passos.
Na semana passada, em Montevidéu, mais uma vez a Casa Rosada
prejudicou o jogo, com uma proposta bem inferior às de seus vizinhos e,
obviamente, inadequada. Ficaram fora da lista vários produtos
classificados como "sensíveis", como autopeças, químicos, eletrônicos e
bens de capital. Além disso, o governo argentino defende um prazo de 15
anos para redução das tarifas sobre os produtos europeus e carência de 7
anos. Os outros membros do Mercosul pedem até 12 anos para o ajuste das
tarifas e os europeus, 10.
A meta combinada entre as partes é uma redução tarifária para
produtos correspondentes a 90% do comércio entre Mercosul e União
Europeia. Brasil, Paraguai e Uruguai chegaram perto disso, mas a
proposta argentina reduz a média das ofertas para cerca de 80%. O Brasil
ainda pode melhorar sua oferta, mas a negociação é conjunta e a
disposição argentina é fundamental para o resultado. Além do mais, a
troca inicial de ofertas é apenas o começo da discussão mais substancial
e mais consequente. Aberta essa fase, as partes ainda terão muitos
detalhes para acertar.
Será importante retomar logo as negociações, para haver algum avanço
ainda este ano. Se houver nova demora, a troca dos comissários europeus,
em setembro, e as eleições no Brasil prejudicarão os trabalhos.
Qualquer perda de tempo, nesta altura, pode ser desastrosa, porque
várias outras negociações muito importantes estão progredindo, incluída a
de um acordo entre União Europeia e Estados Unidos. A cada dia aumenta a
desvantagem do Brasil e do Mercosul num mundo onde se multiplicam os
acordos comerciais.
O governo brasileiro, afirma-se reservadamente em Brasília, está
pronto para pressionar o argentino, se um entendimento entre os
parceiros do Mercosul for impossível até a metade de maio. Esse tipo de
ameaça, ou de promessa, já circulou em outras ocasiões, mas a Casa
Rosada sempre se manteve como o principal centro de decisões da
diplomacia do Mercosul.
A desastrosa política da presidente Cristina Kirchner já impôs à
Argentina a perda de US$ 6 bilhões em exportações de carne nos últimos
quatro anos, segundo a Fundação Mediterrânea, um centro de estudos
econômicos. Em 2012 e 2013 o país ficou fora da lista dos 10 maiores
exportadores de carne. Isso é só um exemplo - mas muito significativo -
do custo da política econômica. Parte da conta dessa política vem sendo
paga pelo Brasil, prejudicado pelo protecionismo do segundo maior sócio
do Mercosul.
Custos até maiores já resultaram de erros cometidos em Brasília, como
a opção terceiro-mundista do governo Lula, até agora preservada, e a
insistência em sujeitar os interesses brasileiros a um Mercosul
desmoralizado, mas ainda sujeito ao requisito de ação conjunta de uma
união aduaneira.
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