Excelente artigo do Milton Pires no Blog Ataque Aberto
Valesca dos Santos (Rio de
Janeiro, 6 de outubro de 1978), mais conhecida pelo nome artístico
de “Valesca Popozuda” ou apenas Valesca, é uma cantora,
compositora, produtora e empresária brasileira. Foi vocalista do
grupo feminino “Gaiola das Popozudas” entre 2000 e 2012 até a
metade de 2013, sendo uma das responsáveis por tornar o funk carioca
dissipado e conhecido em todo o Brasil. Em 2013 lançou-se em
carreira solo com a canção "Beijinho no Ombro", que
atingiu a décima segunda posição na Billboard Brasil.
Esse primeiro parágrafo é uma
das maravilhas permitidas pelo famoso Ctrl+C. Tudo o que fiz foi
isso: entrar na Wikipédia para saber, afinal de contas, alguma coisa
a respeito dessa moça, copiar e iniciar o texto. O que vou escrever
a seguir nada se relaciona com ela e muito pouco diz respeito a isso
que vem sendo chamado de funk music. A ideia aqui é bem diferente:
Antonio Kubitschek é o nome do professor que elaborou uma prova de
filosofia da Escola de Ensino Médio 3, no Distrito Federal, e nela
havia uma questão que chamava Valesca Popozuda de "grande
pensadora contemporânea" - sobre isso eu acho que faz sentido
escrever.
Antes de começar gostaria de
chamar a atenção para uma atitude da própria Valesca que, segundo
o Jornal O Globo, se disse “muito honrada” pela citação em uma
prova de filosofia. Tal gesto reflete, ao meu ver, a sensação de
estranhamento, a ideia de distância de uma pessoa que, independente
do seu caráter ou de sua atividade profissional, jamais imaginou
pertencer, ela mesma, ao mundo da alta cultura ou dos grandes
pensadores. Em outras palavras eu diria o seguinte: mesmo sem ter
conversado com Valesca ou com o “professor de filosofia” que fez
a questão, eu imagino que nenhum dos dois se conhecia antes disso e
que a moça jamais quis
ser citada nem pediu ou pagou ninguém para que a letra de sua música
se tornasse uma pergunta de prova.
Fácil seria escrever dizendo que
não existe mais pensamento crítico no Brasil. Isso eu já fiz antes
e se o fizesse novamente aqui, nesse artigo, correria o risco de
passar àquele que lê a impressão do temido discurso “moralista”,
“conservador” ou “reacionário” daqueles que acreditam num
ensino de filosofia “distanciado da realidade” e “vinculado às
elites.” Nada sei sobre ensinar filosofia. Sequer graduado sou
nessa área do conhecimento e o que escrevo não tem relação com a
minha condição de médico. É como brasileiro que tento me
expressar...é como alguém que não perdeu (ainda) a noção da
realidade e que tem perfeitamente guardada a distinção entre a alta
cultura e a vulgaridade..entre a arte e o apelo comercial. Acredito
ter como parceira nessa empreitada a própria Valesca dos Santos que,
no seu sentimento de lisonja, revelou toda estupefação de quem
jamais pretendeu ser fonte de reflexão alguma..e que na sua gratidão
revela a ingenuidade de quem foi usada por mais um militante petista
dentro da educação brasileira.
Não tenho, nem nunca tive,
qualquer procuração para defender os pensadores desse país. Não
conheço Valesca e nada sei do seu caráter. Não gosto daquilo que
ela canta, mas isso nada tem a ver com o ensino de filosofia no
Brasil. Digo apenas que a própria filosofia nasceu da “capacidade
do espanto”... da curiosidade sobre o mundo, sobre o sentido da
vida e de como vivê-la da melhor e mais justa forma. O
questionamento sobre a verdadeira arte e sobre a noção do belo
somaram-se à essas primeiras indagações dos gregos e vem
atravessando o tempo como objeto de investigação filosófica.
Tudo o que se faz hoje em termos
culturais é reflexo de um Brasil
em que não há mais espanto algum..em que a própria noção do belo
desapareceu e onde a vulgaridade, o apelo rasteiro à sexualidade, e
ao sucesso comercial são aquilo que restou. Nem Valesca nem a
maioria dos artistas que cantam o tipo de música que ela celebra
pretenderam jamais ser mais do que isso. A crise moral ou cultural
não começou com eles; começou dentro das Universidades e das
escolas que se entregaram completamente ao domínio de um Partido
Político e a um projeto de poder no qual o belo e o justo são o que
servem à Revolução..
Valesca e os MC's dos bailes
funks nasceram no mesmo país que deu ao mundo a música de Villa-
Lobos, a pintura de Portinari, e a escultura do Aleijadinho. Toda
tragédia do pensamento brasileiro não está nos bailes das favelas
do Rio de Janeiro; está na Educação que, em nome de um delírio
revolucionário, acabou com a distância que havia entre o juízo
crítico e a obscenidade cultural dos mais pobres. Nossa miséria
continua original: segue autêntica e sem pretensão alguma. Ela
nunca se “prostituiu” como disseram que Valesca fez.
Nada seria mais justo do que o
funk brasileiro agradecer cantando nas suas letras a “filosofia
vagabunda” da nossa Universidade. Valesca, queiram ou não,
continua sendo verdadeira, mas a nossa cultura foi estuprada num
baile em 1968, engravidou da revolução e morreu dando à luz ao PT.
Porto Alegre, 9 de abril de
2014.
Fonte: Blog Ataque Aberto
Nenhum comentário:
Postar um comentário