Artigo de Arnaldo Jabor no Estadão
Nunca vi o Brasil tão esculhambado como hoje. Perdoem a
palavra grosseira, mas não há outra para nos descrever. Já vi muito caos
no País, desde o suicídio de Getúlio até o porre do Jânio Quadros
largando o poder, vi a morte de Tancredo na hora de tomar posse, vi o
País entregue ao Sarney, amante dos militares. Vi o fracasso do Plano
Cruzado, vi o escândalo do governo Collor, como uma maquete suja de
nossos erros tradicionais, já vi a inflação a 80% num só mês, vi coisas
que sempre nos deram a sensação fatalista de que a vaca iria docemente
para o brejo, de que o Brasil "sempre" seria um país do futuro. Eu já
senti aquele vento mórbido do atraso, o miasma que nos acompanha desde a
Colônia, mas nunca vi o país assim. Parece uma calamidade pública sem
bombeiros, parece um terremoto ignorado. Por que será? É óbvio que não é
apenas o maluco governo do PT, mas também as marolas que ele espalha,
os nós frouxos de uma política inédita no País que nem atam nem desatam.
Agora, tudo vai muito além da tradicional incompetência que sempre
tivemos: linear, a boa e velha incompetência pública de sempre. Dá até
saudades. A incompetência de agora é ramificada, "risômica", em teia,
destrutiva, uma constelação de erros óbvios que eu nunca tinha visto.
No dia a dia só vemos fracassos, obras que não terminam, maquiagem de
números, roubalheiras infinitas e danosas, vemos o adiamento de tudo
por causa das eleições. Tudo vai explodir em 2015, o ano da verdade feia
de ver. O mal que essa gente faz ao País talvez demore muitos anos pra
se reverter.
Mas, aqui, não quero falar da corrupção, burocracia, clientelismo e
outras mazelas. Como é o "rationale" que usam para justificar o
desmembramento do País que estão a executar?
Quais são as principais neuroses da velha cabeça da esquerda, suas doenças infantis, etc.?
Interessa ver o mapa do inconsciente petista. Interessa ver a
incompetência dessa gente que conheço desde a adolescência, quando
participava das infindáveis reuniões políticas para "mudar" o País -
muito cigarro e a sensação de viver uma "missão profunda". As discussões
sem-fim: "Questão de ordem, companheiro!", "o companheiro está numa
posição revisionista" ou "a companheira está sendo sectária em não
querer dar para mim".
Os fins eram magníficos, os diagnósticos tinham pontos corretos, mas,
no fim das madrugadas, alguém perguntava: "O que fazer?" (como queria
Lenin...).
Aí, todo mundo embatucava. Ninguém sabia nada. E tentavam agir, mas
só apareciam erros desastrosos e a incapacidade de organização concreta;
mas, tudo era desculpado pela arrogância de quem se achava na "linha
justa". O povão era usado para a "boa" consciência, o povão era o
salvo-conduto para a alma pacificada, sem culpas - o povão era nossa
salvação.
Pensávamos: "Um dia eles serão 'homens totais', 'sujeitos da
história', enquanto os mendigos vomitavam no meio-fio - os que a gente
chamava com desprezo de "lumpens".
O ponto de partida da incompetência é se sentir competente. A
incompetência atual é competente como nunca. O homem "bom" do partido
não precisa estudar nem Marx nem nada, apenas derramar sua "missão" para
o povo. Administrar é coisa de burguês, de capitalista. E dá trabalho, é
chato pacas examinar estatística, analisar contratos da PTbrás, tarefas
menores, indignas de líderes da utopia.
Para eles, o Estado é o pai de tudo. Logo, o dinheiro público é
deles, a empresa pública é deles, roubar é "desapropriar" a grana da
burguesia.
Os petistas se sentem "bons". Eles são o 'Bem' e o resto é ou massa
de manobra, a massa atrasada, ou "elementos neoliberais da direita". Ser
o Bem te absolve; é irresistível entrar para um partido assim. É prato
feito para os narcisistas da pesada ou psicopatas - nada melhor do que
um partido do "bem" para a arrogância descarada e legitimação de
qualquer roubo e a mentira.
Outra doença infantil (ou senil) é a permanência de (não riam...) de
Hegel nas mentes da "esquerda". O filósofo que formou Marx continua nos
corações petistas. Por esse pensamento, qualquer erro é justificável por
ser uma "contradição negativa", ou seja, qualquer cagada (perdão...) é o
passo inicial para um acerto que virá, um dia.
Como escreveu o filósofo Carlos Roberto Cirne Lima em Depois de
Hegel, de 2006, Hegel tem a tendência muito forte de dizer que tudo que
"é", a rigor, tinha que ser. Hegel diz que para entender a história é
preciso afastar a contingência. Hegel vai provocar o grande erro de Marx
de que a história é inexorável e que, portanto, a revolução comunista é
um momento da história, que necessariamente vai acontecer. Esse é o
primeiro grande erro de Hegel. E Cirne Lima reclama: "Nenhum lógico lê
nosso trabalho porque ele trata de Hegel, e nenhum hegeliano o lê porque
é lógica".
Assim, se organiza a burrice, a estupidez (notem que falo do "id"
petista), a negação de qualquer facticidade, a adoção só de ideias
gerais, dedutivas, o desejo de fazer o mundo caber num ideário superado
('aufheben'). Daí a desconfiança no mercado, nos empreendedores, contra
todos que trabalham indutivamente, com o mistério das coisas singulares
no centro da sociedade civil que eles veem como uma anomalia
atrapalhando o Estado. Os esquerdistas se sentem parte de uma dinastia
desde Stalin - as palavras e conceitos ainda são usados. E, como no
tempo do Grande Irmão, há o desejo de apagamento do sujeito ou seja, nem
a morte tem importância para sujeitos que viram objetos. Vide Coreia.
Até o assassinato pode ser absolvido como uma necessidade histórica.
Um dia, um companheiro (que morreu há pouco...) me disse: "Não tema a
morte. Marx disse que somos seres sociais. O indivíduo é uma ilusão.
Para o comunista, a morte não existe". E eu sonhei com a vida eterna.
Essas são algumas das doenças mentais que estão levando o Brasil para
um pântano institucional. Temos que nos salvar desse determinismo
suicida.
Se houver a vitória de Dilma ou a volta de Lula estaremos, como diria
Hegel, fo&#dos - numa 'contradição negativa' que vai durar décadas
para ser "superada".