Aloísio de Toledo César* - O Estado de S.Paulo
Está fresca na memória de milhões de brasileiros a
exaltação que o ex-presidente Lula fazia da capacitação e da competência
de sua candidata Dilma Rousseff, quando ela disputava as eleições de
quatro anos atrás. Pelas palavras que usava em relação à futura
sucessora, tinha-se a impressão de que seria mesmo uma pessoa preparada
para a função.
Como ele a conhecia, e detinha prévia ciência de seu gênio ora
voluntarioso, ora arrogante, bem como da enorme incapacidade
administrativa que vem demonstrando, é forçoso concluir que houve
comprometedor engano.
Com sua invejável erudição, o imortal padre Antônio Vieira costumava
repetir que "os homens amam as coisas não como são, senão como as
imaginam". No caso do ex-presidente Lula, com bastante boa vontade é
possível concluir que talvez o engano não tenha sido proposital; ou
possivelmente ele não sabia quem era Dilma Rousseff, cujas virtudes
demonstrava apreciar. Assim, estaria a elogiar uma pessoa que ele
pensava ser uma, quando, na verdade, era outra.
O mesmo padre Vieira dá o exemplo desses enganos que ocorrem na vida,
lembrando a propósito o relatado com talento por Luiz de Camões, no
conhecido soneto em que o pastor Jacó serviu a Labão, por sete anos,
porque como prêmio pretendia sua filha Raquel, mas ao final deram-lhe a
irmã dela, Lia. E o infeliz pastor concordou em servir mais sete anos
para merecer Raquel, dizendo que ainda mais serviria "se não fora para
tão longo amor tão curta a vida".
No caso de Dilma, não foram sete anos, mas já quase quatro - e nesse
período ela conseguiu cometer repetidos erros grosseiros que a
desmerecem, comprometem gradativamente sua administração e começam a
influir nas avaliações de sua imagem pessoal e na de seu governo. Quem
sabe para camuflar seu despreparo, ela acabou criando uma infinidade de
ministérios, cujos ocupantes não serão lembrados a não ser com a ajuda
do computador.
Não se viu surgir um único talento nessa equipe de políticos que
lutaram tanto para obter o prêmio da nomeação. Mesmo que se filtre com
boa vontade o trabalho desses assessores diretos da presidente da
República, e se elimine a comparação que toda hora se faz com os
cartolas do futebol, é forçoso concluir que nenhum deles alcançou o
menor destaque ou notoriedade. Nem mesmo o nome deles será lembrado pela
grande maioria de brasileiros.
Quando Lula estava no poder sempre se lhe dava o desconto pelos erros
grosseiros, porque, afinal, ele vinha lá de baixo, numa linda carreira
política jamais trilhada antes por outro brasileiro. Pouco erudito,
muitas vezes tosco, outras vezes incapaz de perceber os próprios
desacertos praticados, detinha, porém, a habilidade de fazer costuras
políticas bem-sucedidas, como a de indicar e eleger um medíocre ministro
da Educação para a Prefeitura de São Paulo (os resultados lamentáveis
também desse engano são sentidos pelos paulistanos a toda hora).
Quando esteve no poder - e mesmo agora -, Lula tinha um grupo
político que lhe era fiel e sobre o qual exercia efetiva liderança. A
presidente Dilma, ao contrário, desastrada na gestão do País, chegou ao
poder em função de uma luz emprestada e não teve a habilidade de
construir a sua - por isso propaga a ideia de que está às escuras.
Talvez alguém diga que, apesar desse despreparo e de seu temperamento
nada simpático, ela ainda tem chance de se reeleger presidente da
República. Sim, tem mesmo. Desastrada para governar e para impulsionar o
País ladeira acima, e não abaixo, Dilma Rousseff foi esperta o
suficiente para manter o gigantesco curral eleitoral constituído por
pessoas que recebem os benefícios sociais do governo.
Essas pessoas, de baixa escolaridade, não estão nem um pouco
preocupadas com o escândalo do mensalão nem com o progressivo desmanche
da Petrobrás, que foi durante décadas motivo de orgulho para os
brasileiros. Essas pessoas, que ascenderam economicamente por causa da
manutenção do valor da moeda nacional, estão preocupadas
preferencialmente em ver o preço de uma nova televisão ou de uma
geladeira, até mesmo de um veículo usado.
Não lhes faz diferença alguma se os escândalos de corrupção estouram a
toda hora e se a imagem externa do Brasil despenca progressivamente. A
verdade nada animadora é que esse curral eleitoral tem dono e nós todos
sabemos em quem seus integrantes tenderão a votar na eleição para a
Presidência da República. Eles se encontram na base da pirâmide social,
constituem a grande maioria do eleitorado e são eles, portanto, que
poderão decidir as eleições do fim do ano.
Sem nenhuma dúvida, isso incomoda, sobretudo porque se percebe
claramente a tendência governamental de manter essa grande massa humana
na condição de baixa escolaridade. Todos sabemos que a educação liberta -
e por isso é muito melhor para o grupo que está no poder deixar tudo
como está. Nada de querer dar mais educação a essas pessoas.
Suportar uma presidente trapalhona e malsucedida é castigo que este
país não merece.
Dizem os velhos políticos que a política é feita de
fatos novos e, por isso, existe a expectativa de que de repente alguma
coisa mude e desenhe a possibilidade de um revezamento de pessoas no
poder, coisa saudável para a democracia e para a Nação brasileira.
A forma mais segura de garantir um futuro melhor seria proporcionar
efetiva educação ao curral eleitoral de dona Dilma, libertando essas
pessoas do castigo de ter de votar em alguém que não mostrou mesmo o
necessário preparo para dirigir o País.
Curiosamente, curral eleitoral é capitulado como crime pela
legislação eleitoral, mas mesmo assim é um fantasma que sempre nos
assombra.
*Aloísio de Toledo César é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. E-mail: aloisio.parana@gmail.com.