Artigo de Aécio Neves na Folha
O intolerável grau de aparelhamento do Estado brasileiro pelo PT chegou
às instituições de pesquisa, guardiãs do conhecimento e da informação
que serve ao desenvolvimento do país. O Brasil corre o risco de entrar
na mesma rota que levou a Argentina a perder credibilidade quanto às
suas estatísticas oficiais.
O episódio recente em torno do IBGE passou a muitos a impressão de que o
instituto estaria dando um perigoso passo na direção dos problemas que
minaram o Instituto Nacional de Estadística y Censos (Indec), do nosso
vizinho, cujos dados sobre inflação e PIB são considerados tão corretos
quanto o célebre gol de mão feito por Maradona contra a Inglaterra.
Se a "mão de Deus", expressão usada pelo próprio atacante para descrever
o lance, ajudou a Argentina a ganhar o jogo, seu uso nas estatísticas
não melhora em nada a vida dos argentinos. Não saber o que de fato se
passa na economia de um país afugenta novos investimentos, com impacto
negativo sobre o desenvolvimento.
O IBGE entrou em convulsão depois que o PT colocou em dúvida a nova
metodologia usada pelo órgão, que, ao ampliar a base de pesquisa, traz
novos dados, por exemplo, sobre o desemprego no país. Era o que faltava:
o partido querer atribuir à sua base aliada a tarefa de avaliar
metodologia de pesquisa.
Apesar da contestação de vários profissionais, a Pnad Contínua teve sua
divulgação adiada para depois das eleições. Assim, é preciso concordar
com Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE: a suspensão em momento
eleitoral levanta suspeitas sobre a falta de autonomia do órgão.
Dias antes, o sinal vermelho já havia sido acendido no Ipea. A
informação de que o instituto abriu, em 2010, escritório na Venezuela, e
que lá tem produzido textos em apoio ao chavismo, surpreendeu muita
gente. Especialmente os que já lamentavam que, apesar da resistência
profissional de tantos dos seus membros, o Ipea estivesse sendo usado
para tentar dar sustentação a "verdades" petistas. Nos mesmos dias, a
imprensa denunciou a crise na Embrapa com as nomeações políticas.
O assunto é grave. Instituições brasileiras, com credibilidade
conquistada através do merecido reconhecimento do país ao trabalho de
inúmeros pesquisadores e profissionais, não podem ter interrompida esta
importante trajetória.
Precisamos defender a autonomia das nossas instituições, diante de
qualquer pressão política. Elas pertencem ao país e não ao governo. Até
porque, depois do Ipea, do IBGE e da Embrapa, alguém pode ter a ideia de
interferir no Inep para controlar os dados de educação e no CNPq para
patrulhar as pesquisas.
O Brasil não merece isso.
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