A aberração do troca-troca
Artigo de Helena B. Nader
Como cientistas, enxergamos de maneira trágica o uso do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação como parte de arranjos políticos
Foi com grande desapontamento que recebemos a notícia da substituição do
ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp,
matemático que há mais de dois anos, desde sua nomeação, em janeiro de
2012, vem prestando excelentes serviços ao desenvolvimento da ciência,
tecnologia e inovação ao nosso país.
Raupp assumiu a pasta com apoio integral da comunidade científica
brasileira que nele reconheceu um legítimo representante, capaz de
elevar e certamente lutar pelo tratamento da ciência e tecnologia como
uma das políticas de Estado prioritárias na esfera pública nacional. E
foi o que fez ao longo de sua gestão no ministério, sempre ouvindo e
interagindo com as mais diversas sociedades, organizações, instituições e
empresas que integram o cenário da ciência, tecnologia e inovação no
Brasil.
Para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da qual
foi presidente entre 2007 e 2011, e para a Academia Brasileira de
Ciências (ABC), foi um interlocutor inestimável em vários momentos, como
nas longas discussões sobre a implantação de um Código Nacional de
Ciência e Tecnologia no país, entre tantas outras frentes em prol de
melhorias nas nossas áreas de atuação.
Tem lutado pela implantação de uma cultura favorável à inovação
tecnológica advinda de parcerias entre setores públicos e privados, por
acreditar que é esse o melhor caminho para a transformação do
conhecimento científico e tecnológico em desenvolvimento socioeconômico.
Somos testemunhas dos esforços de Marco Antonio Raupp e sua equipe no
ministério para adequar os sucessivos cortes nos orçamentos da pasta ao
atendimento do projeto maior para o país, que representam os programas
de ciência, tecnologia e inovação.
Não é o perfil do novo ministro a assumir o MCTI, Clelio Campolina
Diniz, engenheiro, cientista econômico e até então reitor da
Universidade Federal de Minas Gerais, que nos preocupa, pois certamente é
um profissional que representa a comunidade acadêmica e que preenche os
requisitos para assumir a pasta.
O que nos assusta é a mínima falta de consideração com a continuidade de
um trabalho tão complexo como são os programas governamentais de
ciência, tecnologia e inovação, que, até se acomodarem a uma nova
gestão, já terão consumido boa parte dos apenas nove meses que restam da
atual administração federal. É tempo insuficiente para inteirar-se de
todos os programas, instituições, demandas e projetos de lei em
andamento e toda a complexidade de decisões e ações que o sistema
requer. Mas isso parece não ser levado em conta.
Não é novidade para nós assistir à aberração para um país que se quer
desenvolvido do troca-troca de ministros na pasta de Ciência, Tecnologia
e Inovação. Desde que foi criado o ministério, em março de 1985, como
compromisso do programa de governo de Tancredo Neves e assumido pelo
presidente José Sarney, a pasta foi utilizada como instrumento de
barganha política em vários momentos. Somente no governo Sarney, entre
outubro de 1987 a março de 1989, foram cinco trocas de titulares, e no
governo de Fernando Collor, três titulares revezaram-se na pasta, entre
março de 1990 e outubro de 1992.
Como cientistas, enxergamos de maneira trágica a utilização do MCTI como
parte de arranjos políticos. O risco de descontinuidade das ações que
vêm sendo empreendidas pela pasta, o prejuízo do tempo e dos recursos
que serão perdidos devido à proximidade das eleições e a incerteza
quanto aos rumos que o governo pretende dar aos programas de ciência,
tecnologia e inovação são motivos suficientemente alarmantes para
ficarmos preocupados e atentos.
HELENA B. NADER, 66, professora titular da Escola Paulista de
Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é presidente da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)