Tiro no pé
MERVAL PEREIRA
22.3.2014
Oito anos depois da aquisição de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos, que deu um prejuízo bilionário em dólares à Petrobras, dois dos responsáveis pelos relatórios favoráveis à compra, que a presidente Dilma classificou de “técnica e juridicamente falhos”, estão em maus lençóis.
O ex-diretor da Área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró foi demitido ontem pelo Conselho de Administração da Petrobras Distribuidora (BR) do cargo de diretor financeiro que ocupava na companhia, subsidiária da Petrobras, numa tentativa de circunscrever a crise a decisões pessoais.
Já o ex-diretor de Refino e Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que elaborou o contrato de compra da refinaria e por isso está sendo investigado, está preso, acusado de participar de uma larga operação de lavagem de dinheiro.
Mas não apenas eles. A compra da refinaria de Pasadena está sendo questionada por cinco Senadores junto à Procuradoria-Geral da República: Randolfe Rodrigues do Psol, Pedro Simon do PMDB, Ana Amélia do PP, Cristovam Buarque do PD e Rodrigo Rollemberg do PSB querem explicações da própria presidente Dilma, que presidia o Conselho da Petrobrás quando a compra foi autorizada.
Advogados consultados por mim lembram que Conselho de Administração, segundo a lei 6.404 (Lei das S.A.) é órgão da gestão/administração da companhia e, portanto, os Conselheiros são responsáveis, juntamente com a Diretoria Executiva, civil e criminalmente pelas decisões que porventura venham a prejudicar a companhia que dirigem.
O que a Presidente fez, ao revelar que aprovara a compra sem ter as informações completas, em vez de apenas jogar para diretorias específicas a culpa pelo mau negócio pode ser entendido como uma confissão de improbidade administrativa, podendo ser acusada de gestão temerária ou gestão fraudulenta, se comprovado o dolo.
Uma investigação do Ministério Público Federal, como a pedida pelos Senadores, pode apurar atos de improbidade administrativa. O artigo 28 do Estatuto Social da Petrobrás diz que “O Conselho de Administração é o órgão de orientação e direção superior da Petrobrás, competindo-lhe: I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia, definindo sua missão, seus objetivos, estratégias e objetivos. III – fiscalizar a gestão dos diretores e fixar-lhes as atribuições, examinando, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia”.
Por outro lado, o artigo 10 da lei 8.429, de 2 de junho de 1992, caracteriza como ato de improbidade administrativa, entre outros, “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial” contra a administração indireta e outros entes elencados no artigo 1º daquela lei.
No mínimo, os membros do Conselho de Administração podem ser acusados de terem se omitido culposamente, falharem no dever de cuidado, por não cumprirem seus deveres impostos no inciso III, do artigo 28 do Estatuto Social.
Não há nenhum impedimento constitucional para que a presidente Dilma seja investigada pelos procuradores da República, ela só não pode, na vigência de seu mandato, “ser responsabilizada por atos estranhos ao exercício de suas funções”, como manda a Constituição, ou seja, não pode ser processada até o término do mandato, civil ou criminalmente, por estes fatos.
Mesmo que o ex-presidente Lula tenha desmentido oficialmente ter classificado de “tiro no pé” a nota oficial da presidente Dilma sobre o tema, afirmando que não teria autorizado o negócio se estivesse informada da cláusula de recompra, a versão corre pelo PT como rastilho de pólvora.
Os descontentes com a candidatura Dilma ganharam fôlego para pressionar pela volta de Lula, e o círculo mais próximo da presidente está às voltas com um problema que não era dela formalmente. Mas existe a leitura de que a denúncia de que a própria presidente teria aprovado a compra como presidente do Conselho da Petrobrás já fora uma ação de desmonte de sua candidatura, “fogo amigo” com o objetivo de queimá-la.
A impetuosidade de sua reação, escrevendo de próprio punho uma nota oficial e recusando-se a continuar dando apoio à posição oficial da Petrobrás de que o negócio parecia bom com as informações do mercado de petróleo àquela altura, só aumentou o problema, levando-o definitivamente para dentro do Palácio do Planalto.