Os jovens precisam saber mais sobre aqueles anos,
para que esse conhecimento se reverta numa profissão de fé inabalável: o
de que a liberdade é um bem insubstituível
Artigo de Aécio Neves
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publicado
17/03/2014 em Carta Capital
Em 1964, data do golpe militar que
tirou do país duas décadas de liberdades, tinha apenas 4 anos. Somente
bem mais tarde, já na adolescência, pude compreender a real dimensão da
longa noite do regime de exceção que se abateu sobre a vida nacional.
Mesmo ainda sem ter militância política, era impossível não respirar o
clima de terror em vigência nos anos de chumbo. Para mim,
particularmente, a ele acrescentavam-se as aflições do meu avô,
Tancredo, na sua longa, paciente e determinada jornada em direção à
redemocratização do País.
Foram anos em tudo penosos e angustiantes. Não era apenas a
construção política que demandava reuniões varando as noites
intermináveis. Lembro-me, ainda muito jovem, do telefone insistente e os
pedidos de ajuda que se acumulavam.
Tancredo trabalhava diuturnamente cerzindo sua teia incomparável de
contatos e, ao lado de outros muitos nomes prestigiados da
intelectualidade, do clero e da própria política, tentava fazer valer
apelos e argumentos em defesa de estudantes, artistas, ativistas de
correntes diversas, quando não de seus familiares, atingidos em sua
integridade pela fúria do totalitarismo militar.
Comecei minha atuação política na luta pela redemocratização do
Brasil, no começo dos anos 80, quando as oposições viviam um grande
impasse sobre o futuro imediato.
De um lado, já havia alguma abertura, a anistia e as eleições diretas
para governadores de estado. Metalúrgicos, bancários, professores e
outras categorias haviam reconquistado o direito de greve e se
organizavam em centrais sindicais de expressão nacional. Os estudantes
tinham reerguido a UNE. Exilados e banidos estavam de volta ao convívio
de suas famílias e retomavam a militância. Uma profunda reorganização
partidária começava a brotar da aglutinação de diferentes correntes de
opinião.
De outro lado, o conflito de interesses demonstrava que os militares
não deixariam facilmente o poder. Para quem não acreditava na
determinação desse continuísmo, atentados como o da OAB e do Riocentro
se incumbiram de dissipar a dúvida. A batalha pela democracia estava
pela metade, inconclusa. Sem eleições diretas para presidente da
República, o fim da ditadura militar, que assombrava o país desde 1964,
seria uma miragem.
O caminho a seguir era o do fortalecimento crescente da unidade entre
as oposições. E o de uma condução madura, para que a reconquista plena
da democracia não desaguasse num banho de sangue, como ocorreu em tantos
episódios na história das transições políticas – direção apontada, não
sem polêmicas e dissensões, por brasileiros da grandeza de Tancredo
Neves e Ulysses Guimarães, para citar apenas dois nomes, por meio dos
quais rendo homenagem a inúmeros combatentes daquelas jornadas.
Ao final, o golpe militar de 1964 impactou minha vida
definitivamente. Foi na luta para sua superação – iniciada ainda na
campanha de Tancredo ao Governo de Minas; depois na memorável campanha
das "Diretas Já" e na vitória de Tancredo à Presidência –, que
iniciei minha vida política, incorporando as grandes lições e
aprendizados que me acompanham até hoje. Entre eles, a compreensão da
política sem sectarismo, respeitando as diferenças e a contribuição que
cada um pode dar ao país.
Acredito que o “Diretas Já” foi um movimento que deveria estar mais
presente na nossa memória, pelo que ainda é capaz de nos ensinar.
Lideranças como Tancredo, Ulysses, Fernando Henrique Cardoso, Leonel
Brizola, Miguel Arraes ou Luiz Inácio Lula da Silva reuniram suas
melhores energias em torno de uma grande causa nacional. Tudo muito
diferente do que acontece no Brasil de hoje, com o estimulo à
intolerância política e as reiteradas tentativas de dividir o país entre
“nós” e “eles”, como se o fato de ser oposição nos tornasse menos
patrióticos.
Recuperar a história é sempre importante. Os jovens, sobretudo,
precisam saber mais sobre aqueles anos, para que esse conhecimento se
reverta numa profissão de fé inabalável – o de que a liberdade, em todas
as suas dimensões, é um bem insubstituível e que a Pátria, como dizia
Tancredo, é tarefa de todos os dias.
*Aécio Neves é senador eleito pelo PSDB. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964