O lugar da política
O isolamento nunca fez bem aos governantes. Quem se afasta do contato
popular e confia apenas num séquito de aduladores, tende a desenvolver,
na clausura da poder, uma aversão crescente à realidade.
Temo que estejamos vivendo algo semelhante no Brasil. Isolada em seu
palácio, se alimentando de estatísticas e informações oficiais, não
raro, distorcidas, a presidente da República se distancia cada vez mais
da pulsação intensa da vida diária. A palavra empenhada de aproximação
com os movimentos sociais e um maior diálogo com a sociedade não
conseguiu vencer as portas sempre fechadas, o acesso restrito, a redução
dos canais de escuta e diálogo.
O governo se mostra acuado, temeroso de se expor. A figura da presidente
tem sido poupada nos eventos mais populares, como o Carnaval. Até mesmo
os discursos de abertura e encerramento da Copa do Mundo foram
providencialmente suspensos, por medo das vaias que poderiam constranger
as autoridades presentes.
É forçoso reconhecer que algo saiu errado no script minuciosamente
montado para apresentar ao país uma versão edulcorada de sucesso,
otimismo e crescimento. Não há enredo fantasioso que se sustente diante
de uma realidade que teima em driblar as maquinações mais criativas. A
economia cresce pouco. A inflação caminha célere. A inadimplência das
famílias bate no teto. A indústria patina e produz o equivalente a 2008.
A carga tributária é das mais altas do mundo e a conta dos erros no
setor elétrico começa a ser cobrada de empresários e consumidores.
Nas áreas essenciais, os números são vergonhosamente ruins. Na saúde e
na segurança, as crises se acumulam, denunciando diariamente a crônica
precariedade dos serviços públicos. A anunciada austeridade fiscal não
convence nem o próprio governo, que a atropela sistematicamente.
Há visível descompasso entre o Brasil real e o da propaganda. Em algum
momento, eles deverão se encontrar frente a frente. Até lá, seria
prudente distender a estratégia de confronto e isolamento em vigor.
Em tempos de crise, é preciso baixar a guarda, ouvir e conversar mais. A
intolerância com os adversários, a ojeriza ao debate transparente e a
arrogância no trato com interlocutores de vários segmentos chegou ao
cúmulo de atingir agora os próprios aliados.
O debate democrático foi substituído por um discurso ufanista e autoritário, retrato de uma gestão encastelada em suas quimeras.
O Brasil merece mais. Acima da agenda eleitoral, os brasileiros clamam
por boa governança. Para tanto, é preciso abrir as portas e sair às ruas
para ver a realidade em movimento e ouvir as vozes que, hoje, não
conseguem ultrapassar as antessalas do poder.