DEONÍSIO DA SILVA
A demissão do jornalista e escritor José Nêumanne Pinto do SBT convoca-nos a um momento de reflexão muito pertinente.
Talvez tenha sido um passo decisivo no rumo de uma aliança que tem
tudo para dar errado: a submissão ao poder de uma fatia relevante da
mídia.
Quem trabalha na mídia ou a ela comparece eventualmente com artigos
esporádicos, pode atestar o que digo: semana, sim, semana também, vinham
telefonemas, mensagens, dossiês, recortes, excertos de áudios e vídeos,
enfim um catatau convidando os destinatários a ajudar os remetentes de
tão graves denúncias, repercutindo-as.
Mas pouco a pouco as coisas começaram a mudar. Iniciava-se a
construção de um mundo estranho entre os intelectuais, que começava por
indulgências plenárias a figuras referenciais que tinham, depois de anos
de oposição, chegado ao poder!
Aqueles jornalistas e outros intelectuais que antes eram procurados
para receber, não apenas denúncias, mas também calúnias, que pouco a
pouco começaram a detectar, passaram a sofrer execrável clivagem. Se não
repercutissem, estavam traindo os destinatários, mas muito pior ainda
se escrevessem contra os interesses dos remetentes!
Aos poucos, como se combatessem um perigoso vírus, passaram a isolar
os recalcitrantes, os indiferentes e principalmente aqueles que, por sua
altivez e independência, jamais se tinham curvado a governo algum, nem
sequer nos tempos ditatoriais!
Os detalhes me fascinam. Gosto de apreciar o que eles revelam e
escondem. Profissionais de Letras, muitos deles habitualmente engajados
nessas absolvições a Lula, criticaram asperamente FHC porque ele errou a
pronúncia, não a escrita, de UMA palavra! Um ex-senador e ex-ministro
dos tempos da ditadura foi atacado furiosamente porque errou a
concordância verbal de um sujeito da oração, daqueles que são eles
mesmos uma armadilha, coisa que não são em outras línguas. Exemplo: no
Português “o povo” requer o verbo no singular, mas o Inglês “the
people” requer o verbo no plural. Dali a dizer ao distinto público e a
vender ao governo milhares de exemplares de um livro que absolvia a
falta de concordância nominal e a sua companheira inseparável, a
concordância verbal, foi um pulinho. Logo “nóis pega o peixe”
constituía-se em paradigma emblemático da novilíngua.
Aonde chegamos? Se você é um intelectual capaz de ler os fatos à luz
da História, e não ao pálido lume das lamparinas do tempo que dura um
mandato, já é de per si um suspeito. (Para melhor definição de
“suspeito” e “suposto”, em outros sentidos, ver artigos postados
recentemente no blog do audaz jornalista e talentoso romancista Moacir
Japiassu).
Ainda que você reconheça figuras admiráveis tentando sinceramente
acertar no poder federal, se não deixar de criticar as safadezas de
outros, já é, mais do que “suspeito”, culpado! E alguém a ser evitado!
Penso que a demissão de José Nêumanne Pinto do SBT é um sinal dos
tempos muito preocupante. Ela se dá por motivos inconfessáveis e por
enquanto ele apenas trocou de emissora. Mas quando estiver “tudo
dominado”, daí, sim, os ovos da serpente terão descascado, e os filhotes
logo saberão o que fazer. O que? O que as cobras criadas vêm tentando
fazer há mais tempo!
Só uma penúltima coisinha a mais: em outros tempos, uma demissão
assim gerava um caudal de protestos. Agora, não. Porque estão caladinhos
aqueles que ontem vociferavam. Eles agora só vociferam a favor! E nisto
também se enganam, pois “o silêncio é aquilo que se diz naquilo que se
cala”, lição que aprendi de um querido professor.
Portanto, é forçoso reconhecer neles uma vitória parcial que, se for
total, colocará o Brasil no rumo aonde já chegaram Argentina e
Venezuela. O Brasil dá indícios de caminhar naquela direção. Dependerá
de nós que esta via seja interrompida, alterada ou excluída da rota,
pois sabemos que isso termina em tragédias! As democracias se apoiam em
liberdades, sendo a da imprensa fundamental. E a liberdade é o direito
que os outros têm de serem contra nós, sem que sofram punição alguma
por isso, respeitadas as leis.
E a última coisa a ponderar é: quem censura, tem medo. E no caso é
bom perguntar: tem medo de quê? Aqueles que se comportam como Nêumanne
inspiram medo ao poder. Mas se inspiram medo verdadeiramente, é porque é
fraco esse poder. Ou se considera fraco. Em democracias como a dos EUA,
falar mal do governo é tão trivial que no decorrer de séculos soubemos
mais dos EUA por seus nacionais do que por seus críticos estrangeiros.
Mas no Brasil, onde tudo parece ao contrário, um partido que se jacta
de a próxima eleição estar ganha ainda no primeiro turno, dá indícios
que deflagrou alianças que têm o fim de evitar o pior!
E o que é “o pior”? É deixar o poder. Daí, sim, o medo passa a
pânico. Mesmo por hipótese, convém indagar os motivos deste pânico.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/neumanne-para-onde-iamos-e-aonde-chegamos-um-artigo-de-deonisio-da-silva/#more-821874