Direto do Blog CoroneLeaks
Abaixo, o texto da reportagem esclarecedora exibida nesta noite no Jornal Nacional, o programa de maior audiência da televisão brasileira:
O Ministério Público do Trabalho está concluindo uma
investigação sobre denúncias de irregularidades no programa Mais Médicos, que
também é questionado no Supremo Tribunal Federal. Os procuradores investigam,
entre outros pontos, a forma como profissionais cubanos foram contratados para
fazer parte do programa. A repórter Camila Bomfim mostra como médicos
estrangeiros têm sido contratados aqui no Brasil e em outros países.
O uso de mão-de-obra médica estrangeira é recorrente entre
governos pelo mundo. Aqui no Brasil, o programa Mais Médicos já recrutou mais
de seis mil profissionais e, desse total, 80% são cubanos. Contratados por meio de um acordo entre o Governo
brasileiro, a Organização Panamericana da Saúde e Cuba, o médicos cubanos
recebem menos de 25% do salário pago aos outros integrantes do programa.
O governo brasileiro repassa à Opas mais de R$ 10 mil por
médico, por mês; o dinheiro vai para uma empresa ligada ao Ministério da Saúde
de Cuba, que, por contrato, faz o pagamento. Os cubanos recebem, por mês, US$ 1
mil, o equivalente a R$ 2.350. E só podem usar, no Brasil, US$ 400: R$ 940. O
restante fica retido pelo governo de Cuba.
Nem a Opas nem o Ministério da Saúde informam onde vai parar
a diferença de mais de R$ 8 mil por mês, entre o que o Brasil repassa e o que é
efetivamente pago aos cubanos. O programa tem duração de três anos, só no primeiro
semestre, o Brasil repassou R$ 511 milhões para a entidade, para pagar a bolsa
aos participantes e despesas da Opas, que não são publicamente detalhadas.
O ministro da Saúde disse que a parceria para a contratação
desses médicos segue o modelo adotado por dezenas de países. "A organização panamericana estabelece o processo de
cooperação com o governo de Cuba, nos mesmos moldes, respeitando as mesmas
condições que são estabelecidas para mais de 60 países”, afirma o ministro da
Saúde, Arthur Chioro.
O levantamento feito pelo Jornal Nacional em países
indicados pelo Ministério da Sáude mostra que não é bem assim.
Na França, os contratos são individuais, sem intermediação
de nenhuma entidade de saúde, e os cubanos não participam de um programa
federal. Tem os mesmos direitos dos franceses. No Chile, também não há acordo de cooperação internacional
com nenhuma entidade intermediária. Os contratos também são diretos com os
médicos, e têm direito aos mesmos salários. Citada pelo ministério, a Itália não contrata médicos
cubanos. Entre os países pesquisados, somente Portugal tem um
programa semelhante ao Mais Médicos. Portugal fechou acordo intermediado pela
Opas em 2009. Dos 40 médicos cubanos contratados, hoje restam apenas 12.
A própria Opas admite: tem acordos de cooperação com
diversos países, mas, com as características do Mais Médicos no Brasil é a
primeira vez.
A diferença salarial entre cubanos e demais participantes do
programa levou Ramona Rodrigues a abandonar o Mais médicos no início do mês, o
que trouxe a público os detalhes do contrato. “Nós somos iguais a todos, com a
mesma capacidade, preparação, e com o mesmo trabalho”, disse. O Ministério da Saúde diz que a Opas é a responsável pela
interlocução com Cuba. Já a entidade diz que cabe a cada país tomar a decisão
de disseminar ou não seus acordos.
No Brasil, a Opas é representada por um cubano, Joaquim
Molina. A entidade também se negou a dar informações sobre o contrato ao
Ministério Público do Trabalho, que está investigando o programa.“O que nos interessa aqui nesse inquérito é a legislação
nacional, e ela não possibilita esse tratamento desigual e não possibilita
pretender-se aplicar no Brasil legislação de Cuba”, declara Sebastião Caixeta,
procurador do MPT.
O Ministério Público do Trabalho deve terminar essa
investigação nos próximos 15 dias. A ideia é estabelecer mudanças em acordo com
o governo. E, se isso não resolver, o MP vai recorrer à Justiça para garantir
direitos trabalhistas dos médicos. Em outra frente, o Supremo Tribunal Federal
analisa duas ações que questionam se a lei que criou o programa fere a
constituição.
O jurista Ives Gandra disse que, pelo contrato, os cubanos
estão proibidos de comentar o teor do documento assinado com o governo cubano,
transitar livremente pelo Brasil e até manter um relacionamento amoroso com
brasileiros. “Nós estamos evidentemente com um regime jurídico para todos os
médicos estrangeiros e um regime de escravidão para os médicos cubanos”,
declara Ives Granda, jurista.
Nesta quinta-feira (26) à tarde, depois de quatro dias de
questionamentos, o ministério da Saúde afirmou que houve um equívoco e que,
diferentemente do que vinha divulgando, França, Chile e Itália não têm mesmo
acordo com Cuba para a contratação de médicos, tal como nós apuramos. O Jornal
Nacional procurou o governo para esclarecer outros pontos controversos do
programa.
O procurador-geral da União disse que o Brasil não pode
mexer no salários dos médicos cubanos porque eles assinaram contrato com o
governo de Cuba. “Adequações são possíveis, agora nós não temos ingerência,
não temos essa capacidade de modificar esse valor, já que é um valor
estabelecido entre Cuba e os médicos. Nós temos uma legislação específica para
o programa Mais Médicos e essa legislação vem sendo cumprida. Não há relação de
emprego e sequer relação de trabalho entre os médicos cubanos e o Brasil”, afirmou
Paulo Henrique Kuhn, procurador-geral da União.
Ele negou que haja controle sobre os médicos cubanos. “O Brasil não tem nenhuma orientação, não tem nenhuma
restrição, não vai exercer nenhum controle com relação a esses médicos. Eles
têm dentro do território brasileiro liberdade de ir e vir e de se relacionar”,
disse Paulo Henrique Kuhn.