Entidades do setor privado colaboraram com apenas 20% das gratificações prometidas para o programa
Demétrio Weber para O Globo
O programa Ciência sem Fronteiras já concedeu 60,7 mil
bolsas de estudo a universitários brasileiros no exterior, mas corre o
risco de não cumprir a meta de 101 mil bolsistas até 2015, porque
parceiros privados não estão cumprindo o que prometeram. É o caso da
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), duas das principais
entidades industriais do país. Somadas, elas deveriam bancar 11 mil
bolsas, mas, passados mais de dois anos da criação do programa, não
contribuíram para o envio de um bolsista sequer.
O Ciência
sem Fronteiras foi lançado pela presidente Dilma Rousseff em 2011. O
governo comprometeu-se a conceder 75 mil bolsas. Empresas privadas,
bancos e estatais responsabilizaram-se por 26 mil, totalizando a meta
global de 101 mil bolsas em quatro anos.
Um balanço da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência do
Ministério da Educação (MEC), informa que o governo já disponibilizou
57,3 mil bolsas, o que corresponde a 76% de sua meta. Já os parceiros
privados teriam liberado apenas 3,4 mil bolsas ou 13% do prometido. Os
dados são de 31 de dezembro do ano passado. Procurados pelo GLOBO na
semana passada, esses parceiros atualizaram os números e informaram já
ter concedido 5.306 bolsas, o equivalente a 20% do previsto.
Empresas pedem mais mestrados profissionais
A
CNI não chegou a assinar o termo de cooperação para financiar o Ciência
sem Fronteiras. A confederação discorda do formato do programa e
reivindica o direito de financiar outro tipo de bolsa, com viés
profissionalizante, beneficiando pesquisadores sem vínculo
universitário.
O diretor de Operações do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai), Gustavo Leal, informou que a entidade
está disposta a cumprir a meta. Ele ressalta, porém, que não será a CNI
que bancará as bolsas, mas empresas com interesse em qualificar
pesquisadores. Da cota de 6 mil bolsas prometidas pela confederação, o
Senai custeará mil.
- A CNI defende que, dentro do total do que as
empresas custearão, seja contemplada uma modalidade de bolsa para
treinamento no exterior com período de até um ano, sem a necessidade de
os pesquisadores estarem vinculados a programas de pós-graduação no
Brasil. Por exemplo: um pesquisador poderia receber uma bolsa para se
qualificar num tipo de tecnologia de interesse do setor produtivo, sem
que ele tenha necessariamente vínculos com universidades - disse Leal.
A
Abdib, por sua vez, alegou falta de recursos. A entidade reúne
construtoras do porte da Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht e
Queiroz Galvão.
- A principal dificuldade enfrentada pela Abdib e
pelas empresas do setor é conseguir reunir os valores expressivos
necessários para atingir a meta proposta de concessão de bolsas de
estudo - diz o vice-presidente da associação, Ralph Lima Terra, em nota
oficial.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é o parceiro
privado que assumiu o maior compromisso em número de bolsas: 6,5 mil.
Segundo a Capes, porém, a entidade só pagou 650 ou 10% do previsto. O
diretor de Relações Institucionais da Febraban, Mário Sérgio
Vasconcelos, forneceu outros números. Ele afirmou ao GLOBO que, no fim
do ano passado, a Febraban liberou recursos para mais 1.430 bolsas,
dentro do cronograma acertado com o governo, que prevê uma participação
crescente até 2015.
Segundo Vasconcelos, 21 bancos associados à
Febraban dividem a conta. A entidade correu atrás também de parceiros
para rachar as despesas. Entre eles, a BM&F Bovespa.
A
mineradora Vale é outra parceira. A empresa informa que, em 2011,
dispôs-se a destinar US$ 27,8 milhões ao programa, valor suficiente para
bancar até 1.000 bolsas, conforme estimativa da época. Ao firmar o
termo de cooperação, no entanto, a meta foi reduzida em um quinto, para
796 bolsas, de modo a enquadrar-se no limite financeiro.
A
Petrobras e a Eletrobras são as duas estatais parceiras. A Petrobras
informa que investirá R$ 318 milhões no programa, enquanto a Eletrobras
prevê gastar R$ 150,6 milhões. As duas empresas informaram que seguem o
cronograma de cooperação.
O governo busca uma saída para convencer
as entidades industriais a cumprir sua cota. Uma primeira tentativa
nesse sentido foi a decisão de incluir mestrados profissionais entre as
opções para bolsistas, com a abertura de mil vagas em cursos dos Estados
Unidos. Além da Capes, o Ciência sem Fronteiras é administrado pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Ao lançar o
Ciência sem Fronteiras, Dilma deixou claro que o poder público tinha
fôlego para 75 mil bolsas e que a meta de 100 mil só seria atingida com a
ajuda de parceiros. Em dezembro de 2011, na solenidade de
regulamentação do programa, ela agradeceu aos presidentes da CNI, Robson
Braga de Andrade, e da Adbid, Paulo Godoy, destacando que o grupo de
parceiros servia de exemplo ao país. O ministro da Educação, José
Henrique Paim Fernandes, disse recentemente que o governo está
discutindo a relação com os parceiros. Paim afirmou que o caso será
tratado na Casa Civil.
Em nota, a Capes afirma que o governo
continua “trabalhando intensamente” para firmar os acordos com a
iniciativa privada e que a oferta de mil vagas em mestrados
profissionais, neste ano, atendeu a uma demanda da indústria. “As
negociações com a CNI e Abdib têm avançado”, diz a Capes.
http://oglobo.globo.com/educacao/falta-de-apoio-poe-em-risco-bolsas-do-ciencia-sem-fronteiras-11624575