O Estado de S.Paulo
Lançado em 2011 pela presidente Dilma Rousseff como uma
das mais importantes iniciativas de sua gestão no campo da educação, o
programa Ciência sem Fronteiras - que prevê a concessão de 101 mil
bolsas a estudantes interessados em fazer iniciação científica,
mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior - está enfrentando duas
grandes dificuldades.
A primeira dificuldade diz respeito ao perfil dos estudantes
beneficiados pelo programa. Muitos não atendiam ao requisito de fluência
em inglês quando foram escolhidos para estudar na Europa, Estados
Unidos, Canadá e Austrália. Por esse motivo, não conseguiram acompanhar
os cursos nos quais se matricularam. Como as bolsas estão chegando ao
fim, correm o risco de voltar sem ter aprendido inglês e sem ter se
qualificado academicamente. Também há alunos que, por terem perdido
muito tempo apreendendo inglês, não se prepararam suficientemente e não
foram aprovados no processo seletivo das universidades que escolheram.
Para tentar contornar o problema, os órgãos que lideram o programa
Ciência sem Fronteiras - o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) - estariam estudando algumas
alternativas. Uma delas é determinar o retorno imediato desses bolsistas
para o País, o que pode acarretar um desgaste político para o governo
num ano eleitoral. Outra saída é conceder financiamento adicional de
seis meses para esses bolsistas, a fim de evitar que retornem sem curso
acadêmico. Mas, por causa das variações cambiais, do aumento do IOF e
das taxas bancárias, essa saída exigiria um gasto de mais de R$ 800
milhões com o Ciência sem Fronteiras, cujas contas já estão
desequilibradas.
A segunda dificuldade do programa está no modo como foi concebido. A
meta era mandar 101 mil estudantes brasileiros para o exterior no
período de quatro anos, mas o governo dispunha de recursos para bancar
apenas 75 mil bolsas. Pediu, portanto, a instituições financeiras,
conglomerados industriais e entidades empresariais que financiassem as
outras 26 mil bolsas. Desse total, até o momento a iniciativa privada
teria financiado apenas 3,4 mil bolsas de estudo - cerca de 13% do
prometido, segundo a Capes. Esse número é questionado pelas empresas
privadas, que alegam já ter concedido 5,3 mil bolsas - ou seja, 20% do
previsto.
Apesar de continuar prometendo que cumprirá a meta firmada com o
Ciência sem Fronteiras, a iniciativa privada afirma que está enfrentando
dificuldades para captar recursos. A entidade que assumiu o maior
compromisso com o governo, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban),
prometeu financiar 6,5 mil bolsas de estudo, mas até agora só pagou 650
bolsas. Em nota, a Associação Brasileira de Indústria de Base, que reúne
as maiores empreiteiras do País, afirma que ainda não conseguiu reunir o
montante necessário para cumprir o que prometeu.
Evidentemente, essas entidades têm plena condição de bancar as 26 mil
bolsas pedidas pelo governo. Na realidade, o problema não é financeiro.
O que o setor privado discute é o perfil dos bolsistas do Ciência sem
Fronteiras. Informalmente, o setor privado alegou que o governo os
selecionou sem critérios precisos, distribuindo bolsas de forma
indiscriminada. A iniciativa privada quer definir ela própria os
critérios das bolsas que financiará. Entre outras reivindicações, ela
deseja financiar pesquisadores que estejam vinculados não a uma
universidade, como quer o governo, mas a cursos tecnológicos que atendam
às necessidades do setor produtivo. A Confederação Nacional da
Indústria pleiteia o direito de financiar mestrados profissionalizantes,
mas enfrenta resistências veladas.
Quando lançou o Ciência sem Fronteiras, o governo foi altamente
elogiado, dada a contribuição que o programa poderia trazer para ampliar
o nível de formação acadêmica e profissional das novas gerações. Quase
quatro anos depois, a inépcia do governo compromete o que poderia ter
sido a grande realização da presidente Dilma Rousseff.