A ausência de um plano para a biotecnologia brasileira pode impactar de forma profunda o desenvolvimento do país
É crença geral que o Brasil participa da liderança em pesquisa, desenvolvimento e implantação de projetos em biotecnologia.
A intensa participação de alguns laboratórios acadêmicos no projeto genoma, a freqüente presença do tema na mídia e a recente polêmica sobre células-tronco garantem a governantes e à opinião pública que estamos participando com relevância do debate mundial em torno da aplicação de saberes científicos e tecnológicos dos mais significativos.
Pretendo, neste artigo, deixar claro que isso não está ocorrendo e que a ausência de um plano estratégico para a biotecnologia brasileira pode impactar de forma profunda o desenvolvimento do país.
Pesquisadores há muito utilizam a avaliação por pares para a averiguação da pertinência de determinados arrazoados. Assim, as revistas de caráter científico só aceitam um trabalho para a publicação depois que ele tenha sido revisado por autoridades nos assuntos aos quais ele se refere.
Isso garante que uma informação somente chegue ao público especializado depois que sua pertinência e relevância tenham sido verificadas. É como se a apuração dos fatos sustentasse a trama da comunidade científica.
Ciência só é ciência caso tenha sido reconhecida como tal por cientistas. Não se trata de um comportamento corporativista, mas antes de um procedimento que garante o desenvolvimento da ciência, do debate e da competição.
Se a avaliação dos pares é um critério reconhecido como válido, a atual percepção positiva que se tem do desenvolvimento da biotecnologia no Brasil está em pleno desacordo com o que se viu durante a Bio 2005, um dos principais eventos do segmento, realizado no mês passado na Filadélfia.
À exceção da apresentação de Fernando Reinach durante o seminário sobre tendências da biotecnologia na América Latina, o Brasil não foi sequer percebido durante o evento. Não conseguiu ser avaliado pelos pares, pois não esteve presente. Perdeu por WO.
Enquanto países como Argentina e Chile garantiram um diálogo constante com os visitantes por meio de stands na feira do evento, o Brasil ficou sem interlocução.
O Chile aparece como um exemplo a ser seguido. Apresentado por seu presidente Ricardo Lagos, a delegação trouxe para o evento um verdadeiro guia de como investir no segmento de biotecnologia do país. Itens como aspectos estratégicos de sua localização, plataformas tecnológicas, casos empresariais de sucesso, qualidade da força de trabalho, marcos regulatórios, incentivos e investimentos governamentais foram abordados pela delegação formada por membros da Corfo, a agência de desenvolvimento do Chile, Assembio (Associação de Bionegócios e Colégio de Biotecnólogos).
Mais que um "roadmap", o que o Chile apresentou na Pensilvânia reflete um esforço associativo e uma unidade estruturada de seu segmento de biotecnologia na busca de novos investimentos.
Por que o Brasil não se apresentou dessa forma? Motivos conjunturais?
Não existe desculpa plausível. Não estivemos presentes porque não temos projeto estratégico, em nível de país, que entenda, estruture, amplifique e se beneficie de nossas competências.
Sem este projeto, nosso futuro no segmento fica cada vez mais improvável. Quando comparado com a estruturação de outros países e regiões, o Brasil está absolutamente desqualificado no segmento de biotecnologia. Não existe uma visão de longo prazo a orientar reguladores e empresários.
O que fazer?
Um exemplo de política que poderia ajudar na mudança dessa situação é a formalização de clusters biotecnológicos a partir de vocações regionais, recursos humanos ou plataformas tecnológicas estabelecidas, como realizado conceitualmente pelo Biocluster de Paris. São 880 empresas, 57 mil empregos diretos e plataformas como Biocitech, Genopole e Hotel Tolbiac Masséna que garantem a Paris um lugar de destaque nos investimentos em biotecnologia na Europa.
O tema dos clusters tecnológicos não é uma novidade para o Brasil. O sucesso obtido na implantação de indústrias do segmento de tecnologia da informação na região de Campinas é uma prova do acerto deste tipo de medida. Políticas dessa natureza resultam sucessivamente em investimento, geração de emprego, comercialização de novas tecnologias e coleta de tributos etc.
O Brasil tem um potencial inegável no segmento da biotecnologia e associações como a Abrabi consolidam informações corporativas e regulatórias em nível suficiente para o estabelecimento de políticas que resultem em desenvolvimento do setor.
A estruturação de um "roadmap" para o desenvolvimento da biotecnologia no Brasil é urgente e importante a um só tempo. Não vale a pena perder esta chance.
Paulo Puterman é doutor em sociologia e mestrando em biotecnologia pela USP.
Artigo publicado na “Folha de SP”, 18/07/2005
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