Um grupo de entidades ambientalistas e organizações do movimento social enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, protestando contra as negociações ocorridas no Senado Federal para votar o Projeto de Lei de Biossegurança e contra a liberação do plantio e da comercialização de transgênicos no país. No documento, essas organizações se dizem "estarrecidas" com as negociações no Congresso Nacional envolvendo o ministro Aldo Rebelo, o líder do governo, senador Aloízio Mercadante, e as bancadas da base governista e da oposição para a aprovação do referido projeto.
A carta observa que, apesar da manifesta oposição da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e da sociedade civil organizada, os representantes do governo fizeram aprovar nas comissões do Senado um substitutivo que contraria totalmente o projeto de lei enviado pela Presidência da República, e que viola de forma flagrante vários preceitos constitucionais. "É imprescindível que os Estados da Federação tenham o direito e a autonomia para estabelecer suas próprias legislações sobre os organismos transgênicos, assim como já o fizeram Paraná, Pará, Santa Catarina, Goiás e Rio de Janeiro", afirma ainda o texto.
As entidades signatárias também se disseram "chocadas" com a notícia veiculada pela imprensa que a Presidência da República estaria prestes a enviar ao Congresso Nacional uma nova Medida Provisória liberando o plantio de transgênicos. Segundo elas, a proposta aprovada nas Comissões do Senado e que a Presidência da República prepara-se para introduzir em uma MP viola o Princípio da Precaução da Convenção da Biodiversidade, convenção assinada pelo Brasil. "Ela prefigura a liberação dos transgênicos sem qualquer estudo prévio de impacto ambiental e de risco para a saúde dos consumidores sem que tais produtos tragam qualquer benefício para os produtores e exportadores brasileiros", acrescenta.
O documento lamenta que o presidente da República tenha aceitado, sem ouvir opiniões contraditórias, "a propaganda pró-transgênicos de alguns cientistas da Embrapa, das empresas multinacionais de biotecnologia e dos produtores de soja do Rio Grande do Sul, estes últimos iludidos por resultados aparentes e de curto prazo". E pede que o governo não amplie a liberação indiscriminada dos transgênicos por medida provisória e que "recupere a coerência", defendendo o projeto de lei enviado pelo próprio Executivo à Câmara de Deputados, garantindo a segurança ambiental, dos consumidores e a soberania nacional, que seriam "feridas de morte" pelo substitutivo mencionado. Além disso, exigem que a rotulagem dos produtos transgênicos seja de fato implementada.
"As espantosas incorreções e equívocos do governo de V.Ex.a neste tema colocam a sociedade civil organizada em posição de profunda frustração com o seu governo e desiludem os que, no Brasil e no exterior, aplaudiram a nomeação da Ministra Marina Silva como uma garantia de que, finalmente, as questões ambientais e da sustentabilidade do desenvolvimento seriam assumidas por um governo brasileiro", conclui a carta que se despede do presidente com a expressão "ainda com últimas esperanças".
Assinam o documento as seguintes entidades: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, Inesc/Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria, Rede Ecovida de Agroecologia, ActionAid Brasil, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Em uma entrevista coletiva concedida a emissoras de rádio na manhã desta quinta-feira (23), o presidente Lula disse que, se houver acordo no Senado, o governo pode utilizar o conteúdo já aprovado do Projeto de Lei de Biossegurança na Casa e transformá-lo em uma Medida Provisória. Lula anunciou que deveria conversar sobre o tema, durante o dia, com o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP).
Segundo o presidente, a intenção do governo é permitir que os produtores agrícolas que utilizam sementes transgênicas não sejam prejudicados e possam iniciar o plantio da safra no próximo mês. O problema maior localiza-se no Rio Grande do Sul, onde cerca de 90% da próxima safra de soja deve ser transgênica, segundo previsão da Federação da Agricultura do Estado do RS (Farsul).
"Se for importante, tiver acordo, eu posso fazer isso", admitiu Lula, acrescentando que o projeto será analisado com cuidado para que seja uma proposta "de interesse da nação brasileira, da maioria do povo brasileiro, e não do Presidente da República". O Projeto de Lei de Biossegurança foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas continua em tramitação no Senado.
A possibilidade de edição de uma nova MP liberando o plantio de transgênicos também está sendo criticada pelo Greenpeace. Na quarta-feira (22), ativistas da organização realizaram um protesto em Brasília, acorrentando simbolicamente o Palácio do Planalto à uma bola de gigante, marcada com o "T" oficial da rotulagem dos produtos transgênicos. O Greenpeace quer que o governo e o Congresso Nacional garantam uma legislação de biossegurança que assegure o licenciamento ambiental e avaliação dos produtos contendo organismos geneticamente modificados, pelo Ministério da Saúde.
Gabriela Couto, integrante da Campanha de Engenharia Genética da entidade, disse que "é inconcebível que o governo edite uma terceira medida provisória para liberar a soja transgênica no Brasil, sem qualquer estudo de impacto ambiental". Para ela, a liberação do plantio e comercialização de alimentos transgênicos coloca em risco a crescente vantagem que o Brasil vem adquirindo em mercados que exigem soja não-transgênica, como a França.
O Greenpeace também acusou o governo de estar beneficiando apenas o Rio Grande do Sul com a liberação do plantio das sementes geneticamente modificadas. O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), reuniu-se com o presidente Lula na semana passada, defendendo uma rápida solução que permitisse aos agricultores gaúchos iniciar o plantio na nova safra de soja.
A nova queda de braço em torno dos transgênicos pode aumentar o distanciamento político entre o governo federal e movimentos sociais e ambientais, que já teriam sugerido à ministra Marina Silva que ela renunciasse caso se confirme a edição de uma nova MP. Segundo eles, se isso acontecer e a ministra continuar no cargo, ela vai perder credibilidade junto aos movimentos que apoiaram sua nomeação no início de 2002. Esse cenário anuncia nuvens e trovoadas para os próximos dias.
Fonte: Agência Carta Maior
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