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segunda-feira, setembro 20, 2004

Soja transgênica no Brasil : Contaminação e royalties

A falta de transparência e rapidez na liberação da soja transgênica no país criaram um pesadelo para os produtores de soja não-transgênica

A liberação da soja transgênica no Brasil
A semente de soja transgênica chegou ao Rio Grande do Sul por meios ilegais. Difundida entre os agricultores e protegida pela falta de fiscalização dos governos estadual e federal, conquistou uma área de plantio significativa. Próximo ao início da colheita da safra 2002/2003, houve uma grande pressão dos representantes dos agricultores de soja transgênica para regulamentar a comercialização do produto.
A medida provisória 1131, de 26/03/2003 (convertida na Lei 10.6882 de 13/06/2003), autorizou apenas a comercialização da safra transgênica já colhida naquele período. O parágrafo 1 do artigo 1 determinava a destruição total das sementes e grãos transgênicos em 31 de janeiro de 2004. A MP convertida em lei era um instrumento de regularização para os agricultores. O objetivo alegado era a proteção dos interesses econômicos daqueles que cultivaram ilegalmente a soja transgênica. A medida provisória 1313, de 25/09/2003 (convertida na Lei 10.8144 de 15/12/2003) mostrou outra face dos interesses envolvidos em todo o processo. A MP convertida em lei autorizou o plantio da soja transgênica para aqueles agricultores que haviam cultivado ilegalmente a soja geneticamente modificada no ano anterior. Para o plantio, a lei aprovada exigiu apenas um Termo de Ajuste de Responsabilidade e Conduta.
O artigo 9 da lei 10.814 apontava o grande problema que estava por vir. O item determina a responsabilidade face aos danos ambientais e à contaminação das lavouras vizinhas que o cultivo da soja transgênica pode causar. Prevê que a responsabilidade independe da existência de culpa do agricultor, pois os danos são decorrentes do sistema de produção e não da intenção de quem planta. Por meio da Mensagem de Veto 7415 de 15 de dezembro de 2003, o presidente da república inocentou a empresa que criou e disseminou a tecnologia Roundup Ready de todos os danos que essa tecnologia possa causar. Por outro lado, conservou o artigo 10, que permite a essa empresa cobrar os direitos de propriedade intelectual (royalties) sobre as sementes transgênicas.

A cobrança do direito de propriedade intelectual
A transgenia, uma das técnicas da biotecnologia, permitiu desenvolver o conceito de patente do ser vivo por uma empresa. A patente de um determinado fragmento de código genético torna a empresa dona dos direitos de propriedade intelectual de qualquer ser vivo que tenha esse fragmento dentro de si. Essa patente criou muitas vítimas ao redor do mundo6, pois a inevitável contaminação por meio de polinização cruzada ou mistura de sementes coloca o agricultor na condição de um criminoso, na posição de uma pessoa que viola os direitos de patente de uma tecnologia. O agricultor, que na realidade é vítima desta ameaça invisível, é processado e multado por algo que não pode controlar.
Um acordo entre a empresa proprietária da patente sobre a soja transgênica Roundup Ready, Monsanto, com cooperativas e comerciantes de soja brasileiros criou um sistema de cobrança dos royalties sobre a colheita7. Antes de a soja ser armazenada no silo, o agricultor deve declarar que tipo de soja cultivou. Se declara que a soja não é transgênica, é necessário provar o fato com uma análise. O teste identifica se existe a presença de grãos transgênicos, mas não é capaz de identificar a porcentagem destes grãos no lote. Este teste qualitativo não possibilita que um lote de soja transgênica seja separado de um lote de soja convencional contaminado (8).
O valor cobrado, no ano de 2004, foi de R$ 0,60 por saca de 60 quilos para o agricultor que declarou produzir soja transgênica e não realizou o teste. O agricultor que declarou que sua soja não era transgênica mas o resultado do teste foi positivo, por ser soja transgênica ou soja convencional contaminada, foi obrigado a pagar R$ 1,50 por saca de 60 quilos, mais os custos do teste (9).
Nesse sistema proposto, o agricultor cuja produção foi contaminada com soja transgênica terá que pagar os direitos de propriedade intelectual, mesmo não usando a tecnologia - que é a possibilidade de pulverizar o herbicida glifosato sobre as folhas da soja10. Assim, o propietário de uma soja com uma pequena porcentagem de grãos transgênicos será obrigado a pagar royalties sobre a totalidade dos grãos, mesmo os convencionais.
Em resumo, a empresa criou um sistema que permite a cobrança do direito de patente mesmo sobre as sementes convencionais, prejudicando o agricultor cuja lavoura convencional foi contaminada.
Se o agricultor pulverizar sua lavoura com glifosato (nas folhas da soja e na quantidade que o plantio transgênico requer), todas as plantas convencionais morrerão, restando apenas a soja transgênica. O agricultor que usa a tecnologia Roundup Ready produz 100% de soja transgênica, pois não existe a possibilidade de sobrevivência de plantas convencionais na lavoura.

As formas de contaminação
A contaminação pode acontecer por via sexual ou mecânica. A contaminação por via sexual acontece com a troca de pólen entre plantas diferentes, separadas por uma certa distância. A contaminação mecânica é a mistura das sementes de soja convencional com sementes da soja transgênica ao longo de toda a cadeia produtiva.
As plantas trocam material entre si por meio da polinização, uma forma de cruzamento sexual. A parte masculina da planta emite o pólen, captado pela parte feminina, e da fecundação nasce a semente. A fecundação entre duas plantas, é chamada de polinização cruzada.
A soja apresenta polinização cruzada entre plantas, ou seja, plantas separadas por pequenas distâncias, como o caso de agricultores vizinhos, podem cruzar entre si. Esse fluxo gênico (transferência de genes entre a espécie convencional e a transgênica) é até pequeno na soja quando comparado com outras espécies (11). Ainda assim, o plantio da soja transgênica ao lado de uma lavoura convencional pode causar a contaminação da soja convencional com o pacote genético patenteado.
A mistura de sementes transgênicas com as convencionais pode acontecer nas máquinas para cultivar o solo, semear e colher a lavoura, nos caminhões que transportam a produção e nos silos onde os grãos são armazenados. O agricultor muitas vezes usa máquinas emprestadas ou alugadas, principalmente o pequeno produtor que não tem capital para comprar grande quantidade de equipamentos. Assim ele pode utilizar uma máquina para semear ou colher sua lavoura com restos de semente de soja transgênica. O proprietário do equipamento, por sua vez, presta serviço para vários agricultores e pode levar sementes transgênicas de uma fazenda para outra.

A contaminação e o agricultor
O produtor de soja convencional é prejudicado com a contaminação de sua lavoura. Os resultados deste processo invisível são a impossiblidade de o agricultor vender sua produção como soja convencional, e portanto a preços melhores (12); a sua obrigatoriedade de pagar direitos de propriedade intelectual por uma tecnologia que não usou; a contaminação de seus campos; e a perda de seu valioso patrimônio genético, a semente que cultiva.
Evitar a contaminação, garantir que suas sementes estarão livres de genes patenteados e providenciar os cuidados com limpeza de maquinários gera um custo para o produtor. O processo de separação entre a produção transgênica e a convencional para a comercialização da safra, a rotulagem dos alimentos transgênicos e a necessidade de rastreabilidade geram um custo para toda a cadeia produtiva. Já os lucros da empresa dona dos direitos de propriedade intelectual são protegidos por lei.
Exigir a proteção do agricultor que cultiva a soja não transgênica é essencial para preservar o direito daqueles que sempre atuaram de acordo com as leis.

01 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Antigas_2003/113.htm
02 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.688.htm
03 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Antigas_2003/131.htm
04 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.814.htm
05 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/Mensagem_Veto/2003/Mv741-03.htm
06 http://www.percyschmeiser.com/, http://www.cropchoice.com/leadstry.asp?recid=326
http://www.gomemphis.com/mca/business/article/0,1426,MCA_440_1655672,00.html
07 http://www.monsanto.com.br/biotecnologia/lista_de_participantes/
08 O teste usado foi o RUR Bulk Soybean Test Kit da empresa Gehaka com sensibilidade para 10%, ou seja, o resultado é positivo quando o lote apresenta contaminação acima de 10% de soja transgênica.
09 Material publicitário da Monsanto com a afirmação: “Basta apresentar a declaração de que sua carga contém soja transgênica na hora da entrega, que o valor pago pelo uso da tecnologia RR cai de R 1,50 para R$ 0,60 por saca” com a observação “Saca de 60 Kg. Valores válidos até 31/01/2005”.
10 Quando o glifosato é usado na soja convencional deve ser pulverizado antes do plantio. A operação é usada para eliminar a vegetação espontânea que cobre a área agrícola e permitir o plantio direto, isto é, sem movimentação do solo com aragem ou gradagem.
11 http://bbeletronica.cpac.embrapa.br/2002/posteres/p2002_67.pdf
12 http://www.cotrimaio.com.br/cotacoes.php

Fonte: Greenpeace

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