No jogo que vai definir o futuro da soja transgênica no Brasil, estariam os senadores, a Federação de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e o Palácio do Planalto atuando no mesmo time? Foram orquestrados alguns acontecimentos recentes, como a decisão do Senado de adiar a votação do projeto de lei relatado por Ney Suassuna (PMDB-PB) ou a declaração unilateral da Farsul de que vai plantar a soja Roundup Ready da Monsanto estando ou não amparada pela lei? Essas atitudes estariam sendo tomadas com a anuência de setores do governo Lula que querem se colocar, mais uma vez, diante de um fato consumado e com isso justificar publicamente a edição de uma terceira Medida Provisória liberando a soja transgenica?
Todos essas perguntas estão pipocando na cabeça de alguns analistas depois que o governo deu, sexta-feira (17), sinais de que vai mesmo editar uma nova MP tratando da soja transgênica, apesar da nota em sentido contrário divulgada na véspera pela Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República. As apostas na edição de uma MP aumentaram no meio da tarde, depois de um encontro entre o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Rigotto afirmou na saída do encontro que Lula havia admitido a possibilidade de “resolver a questão da soja transgenica” através de uma MP. “O presidente me disse que a tendência é essa, que seria mais lógico levar o acordo do Senado para a MP. Eu falei para ele da importância de liberar o plantio, e ele disse que a solução viria provavelmente na semana que vem”, disse o governador.
Especula-se que o governo não vá editar uma MP exclusiva sobre a liberação do plantio da soja RR para evitar jogar mais lenha na fogueira dessa polêmica e, em tempos eleitorais, correr até mesmo o risco de derrota numa votação no Congresso. A liberação viria então em um artigo que seria inserido em uma outra MP tratando de um assunto correlato. A MP que trata de crédito agrícola, e que já está na fila de votação da Câmara, é a favorita para cumprir esse papel. Fontes do governo consultadas Agência Carta Maior afirmaram ainda que a idéia de se editar uma MP exclusiva para a soja transgênica foi abandonada também para evitar que Lula caia em contradição junto à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para quem havia prometido publicamente que não voltaria a tratar desse tema através de medidas provisórias.
A ministra parece continuar acreditando na palavra de Lula. Durante um evento em Campos de Jordão (SP), Marina afirmou não acreditar na edição de uma nova MP. “Não acredito que seja adequada uma terceira medida provisória sobre um processo que vem sendo tão debatido e que o governo, em tempo, mandou uma proposta de lei para o Congresso”, disse a ministra. Adversário de Marina na questão dos transgênicos, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, curiosamente também manteve o discurso de que não haverá MP, com a diferença de que, no caso dele, a expectativa é de que o Congresso crie um marco legal para os transgênicos a tempo do plantio de outubro.
A realidade do Congresso, no entanto, parece distante disso. “A aprovação da lei em outubro é muito difícil, pois temos 16 MPs trancando a pauta”, afirma o deputado federal João Alfredo (PT-CE), que é membro da Comissão de Meio Ambiente da Câmara. O deputado afirma acreditar que o Executivo vá mesmo recorrer a uma nova medida provisória. “Quando o governo permitiu a estocagem das sementes da safra passada, já deu a senha de que recuaria novamente frente a um fato consumado. Sabemos que o governo vai editar uma MP, resta saber qual”, disse. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), também deu a entender que uma MP é a única saída para o governo: “Caberá ao Executivo avaliar se deixa uma parte dos agricultores brasileiros na ilegalidade ou se regulariza a situação”, disse.
Um outro parlamentar da base do governo, que pediu para não ser identificado, afirmou a Agência Carta Maior que Lula já teria manifestado a alguns deputados seu desconforto pelo eventual não cumprimento da promessa que havia feito a ministra Marina Silva e, por conta disso, admitido a possibilidade de recorrer a uma terceira saída: “O presidente pode baixar um decreto governamental liberando o empréstimo de recursos do Banco do Brasil para a safra do ano que vem mesmo para quem plantar transgenicos. Com isso, acalmaria os agricultores gaúchos e ganharia tempo para criar um marco legal definitivo. Seria uma artimanha do governo”, afirma o deputado.
Para bancar o decreto, o governo, segundo essa fonte, utilizaria como argumento a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) de cassar a liminar obtida pelas ONGs Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace que proibia o plantio da soja RR. Membro da Coordenação da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, Gabriel Fernandes afirma, no entanto, que aqueles que propagandearem este argumento estarão mentindo. “Ainda cabem recursos à decisão do TRF-1, que não é definitiva. O Idec, inclusive, já apresentou o seu. Os agricultores que plantarem a soja RR estarão fazendo isso na mais absoluta ilegalidade”.
Fernandes admite que, a menos que o governo edite uma terceira MP liberando o plantio da soja RR, as ONGs podem mover ações na Justiça contra entidades como a Farsul, que defendem publicamente seu plantio, mesmo que feito à margem da lei. “Nosso departamento jurídico aguarda o desenrolar dos fatos para ver qual o melhor caminho a seguir, mas é evidente que uma ação desse tipo é possível”, disse. Fernandes criticou a postura do governo e do Senado. “A dura verdade é que o plantio da soja transgenica cresceu muito no governo Lula. É lamentável também que os senadores queiram moldar toda uma legislação para atender aos interesses de um único produto”, disse.
O advogado ambientalista Rogério Rocco avalia que “há suporte em fartura” para que as entidades de defesa do meio ambiente entrem com ações contra a Farsul: “Se a semente da soja RR é ilegal, se o plantio é ilegal, os agricultores são passiveis de ações cíveis, criminais e administrativas”, afirma. Para Rocco, no entanto, quem teria a obrigação de impedir o plantio da soja transgenica seria mesmo o poder público: “Em caso de crime ambiental, o poder público é obrigado a intervir. O problema é que nessa questão dos transgenicos vivemos um caso de omissão simultânea e calculada dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. O governo Lula, definitivamente, não se ecologizou”, disse.
Fonte: Agência Carta Maior
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