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segunda-feira, setembro 20, 2004

Cobertura de transgênicos reforça idéia de progresso da ciência

"Sob quais perspectivas o jornalismo apresenta a questão dos alimentos transgênicos?" Essa foi a questão central apresentada pelo pesquisador da Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp), Francisco Rolfsen Belda, no XVII Encontro Regional de História, que ocorreu na Unicamp, entre os dias 6 e 10 de setembro. O pesquisador alertou para a necessidade de estudos que analisem os instrumentos utilizados pela imprensa, baseados no interesse da propagação de determinados valores no campo do jornalismo científico.
O pesquisador analisou 718 textos publicados pelos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre abril de 1999 e setembro de 2000. O noticiário foi examinado a partir de argumentos e juízos de valor proferidos pelos jornalistas ou agentes sociais interessados na questão dos transgênicos. O pesquisador afirma que procurou explorar tanto os enunciados e as concepções da ciência, quanto as relações simbólicas presentes na biotecnologia e no ideal de progresso.
O pesquisador distinguiu nos textos duas concepções antagônicas em torno dos ideais de "progresso" e "precaução". Na primeira, os relatos defendem os alimentos transgênicos e relacionam desenvolvimento e prosperidade social e econômica com o aumento da intervenção do homem sobre a natureza. Na outra concepção, sobressai o princípio de precaução, incluindo também questões relacionadas à conservação ambiental - ou à menor intervenção do homem na natureza - e à segurança alimentar.
Belda denomina "concepção progressista da ciência" aquela em que se destacam argumentações em defesa dos alimentos transgênicos, tais como o aumento da produtividade das lavouras, avanço tecnológico, combate à fome, enriquecimento nutricional dos alimentos, redução no uso de agrotóxicos. Já a concepção que se ancora em valores de precaução e que critica os transgênicos, apresenta enunciados relativos à concentração biotecnológica sob domínio empresarial, testes de biossegurança pouco conclusivos, perda de biodiversidade pela padronização das lavouras, possibilidades de aplicação indesejável da técnica e riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde dos consumidores.
O pesquisador avalia que o discurso de divulgação sobre os transgênicos que reproduz a consideração do progresso científico como progresso social apóia-se na noção de que o propósito da atividade científica decorre de seu potencial de exercer controle sobre a natureza de acordo com interesses e expectativas humanas. "Essa classificação é utilitarista e legitima o emprego de recursos públicos em linhas de pesquisa e inovação", afirma o pesquisador.
Para ele essa é uma linha contrária ao paradigma que procura trazer uma perspectiva crítica para a discussão acerca da ciência. Belda recorre ao filósofo Hugh Lacey para afirmar que a crença de que a ciência promove um progresso social está relacionada à idéia de que a prática científica é neutra e independe de valores morais, sociais e ideológicos. De acordo com Belda, Lacey afirma que tal imagem é amplamente incorporada pela comunidade científica e pelas instituições cujos interesses são atendidos pelo desenvolvimento da tecnociência e que representa erroneamente os fenômenos da prática científica.
"Apesar da concepção utilitarista ter predominado no noticiário analisado, a questão dos alimentos transgênicos inaugurou na imprensa brasileira a ruptura com o ideário que associa avanços técnicos e progresso", ressalta o pesquisador. Para Belda, o debate sobre o tema caracterizou-se como uma postura mais crítica e questionadora dos benefícios atribuídos às biotecnologias.
O pesquisador destaca ainda a importância de divulgar ciência desenvolvendo um trabalho distante do que ele chama de "relações públicas" dos agentes de conhecimento. Para isso, propõe a aproximação da vulgarização da ciência, que visa fornecer um conhecimento e um poder efetivos para que os receptores possam servir-se de informações científicas para decidir como esse saber pode ser orientado.


Fonte: www.comciencia.br

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