Frustrando a expectativa do governo federal, o Senado adiou para depois do primeiro turno das eleições municipais a votação da Lei de Biossegurança, que determina os procedimentos necessários à liberação de organismos geneticamente modificados (OGMs) - os transgênicos -, no Brasil.
Na sessão de ontem, último dia do esforço concentrado antes das eleições, faltou quórum para votar o parecer do relator Ney Suassuna (PMDB-PB). A votação deve acontecer no próximo esforço concentrado, marcado para começar em 5 de outubro, quando muitos parlamentares ainda estarão envolvidos com o segundo turno da eleição.
Como o projeto ainda terá de voltar à Câmara dos Deputados para aprovação final, não há mais tempo hábil para aprovar a lei antes do plantio da próxima safra de grãos (2004/05), que ganhará força em meados do mês que vem. Por isso, lideranças governistas voltaram a defender a edição de uma nova medida provisória para liberar o plantio da soja transgênica, como nas duas últimas safras.
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse que já há consenso em torno do projeto aprovado nas comissões do Senado e que, portanto, a MP seria "uma alternativa interessante". Mas a decisão, afirmou, está nas mãos do presidente Lula.
No Palácio do Planalto, assessores reafirmaram que Lula mantém a decisão de não assinar a MP. "A posição do governo é de que o Congresso Nacional decida a matéria, que inclui a liberação do plantio da safra 2004/05 de grãos geneticamente modificados. O governo não tem a intenção de editar uma medida provisória em substituição ao texto que tramita no Parlamento", afirmou o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, em nota divulgada no início da noite por sua assessoria.
O governo apostava na aprovação do parecer de Suassuna na sessão de ontem, mas não contava com a ausência de 41 senadores em plenário. A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), contrária ao parecer, ameaçou pedir verificação de quórum, obrigando a liderança do governo a retirar o projeto da pauta.
O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, disse que as votações no Congresso não serão atrapalhadas pelo segundo turno das eleições. Mais uma vez, o petista manifestou discordância com a edição de medidas provisórias sobre temas polêmicos, que acabam inviabilizando as votações. Sinal de que a edição da MP dos transgênicos, se for ampla como quer Mercadante, poderá enfrentar problemas de tramitação na Câmara.
O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, admitiu ontem que a falta de um instrumento legal para regulamentar a questão criará problemas aos produtores que estão preparados para usar sementes transgênicas de soja. Sem amparo na lei, os bancos não liberam os financiamentos para o custeio da produção transgênica.
Numa previsão otimista, ele calcula que o projeto deve ser votada no Senado em 6 de outubro e, na Câmara, no dia 15. "Aí já será um pouco tarde. Tempo para plantar dá, mas o problema é que os créditos do Banco do Brasil não podem ser liberados enquanto não houver uma legislação definida. Temos de rediscutir o assunto. Ainda não sei como será", admitiu o ministro, que conversou ontem com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o assunto.
No Rio Grande do Sul, que concentrou a produção de soja transgênica no país nas últimas temporadas e que se prepara para uma safra até 95% geneticamente modificada em 2004/05, subiu o tom das reclamações dos agricultores, que cobraram do governo a imediata edição de uma nova MP.
"Não é mais uma questão de convencimento [do governo], é uma realidade", disse o presidente da Federação da Agricultura no Estado (Farsul), Carlos Sperotto, que esteve em Brasília para acompanhar a votação. O plantio da soja no Rio Grande do Sul começa na segunda semana de outubro e, segundo Rui Polidoro Pinto, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), não há tempo hábil porque mesmo que a matéria seja votada no Senado de 5 e 7 de outubro, ela terá de voltar à Câmara. Ele conversou anteontem com os ministros Rebelo e Rodrigues e disse que ambos haviam se mostrado "propensos" ao uso da MP caso o projeto não passasse pelo Senado.
De acordo com fontes do setor, a liberação da soja transgênica poderá vir "disfarçada" em uma MP sobre crédito rural, justamente pela limitação de financiamento destacada pelo ministro Rodrigues.
Para a organização não-governamental (ONG) Greenpeace, que junto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) embargou na Justiça, em 1998, a soja transgênica desenvolvida pela americana Monsanto no Brasil, lamentou o adiamento da votação da Lei de Biossegurança. A ONG é contra o parecer de Suassuna, porque este dispensa Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA-Rima) para a soja transgênica e confere poder conclusivo à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) sobre o tema.
Fonte: Valor Econômico
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