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sexta-feira, julho 16, 2004

Cientista nega biopirataria de café etíope

Agrônomo da Unicamp diz que obteve variedade descafeinada da planta de maneira legal e que venderá o produto
A notícia correu mundo, e o café quase ficou amargo. Três semanas após divulgar a descoberta em Campinas de três plantas de origem etíope que produzem café naturalmente descafeinado, o pesquisador da Unicamp Paulo Mazzafera rebateu ontem acusações de que as sementes de café tenham sido levadas da Etiópia ilegalmente.
As críticas, veiculadas pela agência Reuters, vieram de produtores e do governo etíope.
"Eu nunca estive na Etiópia e usei plantas obtidas pelo IAC [Instituto Agronômico de Campinas] em uma missão oficial da FAO [Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação], com apoio e cooperação do governo da Etiópia. Se me acusam dessas coisas é porque não leram meu artigo", diz Mazzafera, reafirmando que o IAC pretende explorar comercialmente a descoberta das plantas.
A notícia do achado, publicada em 24 de junho na revista científica "Nature" (http://www.nature.com) chamou a atenção dos consumidores da versão sem cafeína da bebida -que representa 10% do café consumido no mundo.
Juntamente com Bernardete Silvarolla e Luiz Fazuoli, do IAC, Mazzafera descobriu no banco de germoplasma (coleção de material vegetal vivo) da entidade três plantas com cerca de 6% do teor normal de cafeína das plantas da espécie Coffea arabica, a variedade mais consumida e apreciada de café do mundo.
Embora Mazzafera tenha dito à Folha no fim do mês passado que um produto oriundo das plantas só poderia, por razões técnicas, chegar ao mercado em cinco anos, a resposta dos etíopes foi rápida.
O primeiro-ministro Meles Zenawi disse à Reuters que estava acompanhando com atenção o assunto e que esperava que o Brasil e a Etiópia pudessem chegar a uma solução que "beneficie ambos os lados".
O presidente da Associação Etíope de Exportadores de Café (Ecea), Hailue Gebre Hiwot, foi além: exigiu por meio da mesma agência explicações sobre como as plantas vieram parar no Brasil.
Hiwot acusou os cientistas de serem arrogantes, antiprofissionais e injustos por terem divulgado o fato para o mundo sem o conhecimento etíope.
"O domínio da planta é da Etiópia. Ele deveria ter informado autoridades etíopes antes de fazer o anúncio, como se a planta pertencesse ao Brasil."
Acordo solidário
Mazzafera enviou à Folha documentos que mostram que o cientista do IAC que foi à Etiópia na década de 1960 na missão da FAO, Lourival do Carmo Monaco (hoje secretário-executivo de C&T do Estado de SP), trouxe as sementes de café legalmente ao Brasil para compor a base do banco de germoplasma do IAC.
Segundo Mazzafera, cópias dessa coleção foram feitas para Índia, Portugal, Costa Rica e a própria Etiópia.
Monaco, que recebeu em 1964 as 200 sementes que geraram o banco do IAC, de 6.000 plantas, não pôde ser encontrado ontem.
Segundo Mazzafera, houve um mal-entendido do governo do país. "O primeiro-ministro fala em uma crise que não existe."
O cientista diz que o IAC venderá sementes das plantas e afirmou que qualquer um dos países que possuam as coleções podem fazer o mesmo. "Eles devem estar loucos procurando isso agora", disse.
No entanto, Antônio de Pádua Nacif, gerente-geral da Embrapa Café e coordenador do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento de Café, diz que o Brasil negocia com a Etiópia uma cooperação.
A motivação, segundo ele, é a "solidariedade humana" e a vontade de "deixar uma porta aberta" entre os dois países.
Ele diz que, como o material foi coletado com autorização do país antes da Convenção da Diversidade Biológica, no Rio, em 1992, não há obrigação brasileira em negociar o material com o país.
"Mas temos interesse em estabelecer parcerias com um país amigo como a Etiópia", diz Nacif.
A propriedade de material genético é um assunto espinhoso. Via de regra, não é possível patentear organismos vivos a não ser que sejam geneticamente modificados.
Mazzafera diz que tentará registrar a variedade da planta segundo a convenção da União Internacional para a Proteção da Variedade de Plantas -seu único benefício seria que os produtores que comprem suas sementes não possam revendê-las diretamente.

Fonte: Folha de SP

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