Acabar com a prática do dumping por parte dos países do Norte, que provoca a queda dos preços das commodities e prejudica as exportações dos países em desenvolvimento, foi a tônica dos debates de hoje no Fórum da Sociedade Civil (FSC). Representantes de ONGs e movimentos sociais de vários países, de governos e de instituições governamentais passaram o dia estudando modelos e caminhos alternativos para a agricultura do planeta e a soberania alimentar. Os países em desenvolvimento apontaram o dumping como um dos responsáveis pela pobreza no mundo.
Não faltaram críticas aos governos dos países ricos no que se refere à política de subsídio agrícola adotada por eles, que provoca o dumping das commodities. Segundo os agricultores dos países em desenvolvimento, essa política inviabiliza a agricultura familiar e o crescimento desses países. Os principais alvos das críticas foram a Organização Mundial do Comércio (OMC), que regula os acordos comerciais bilaterais, e os EUA.
Por outro lado, Daniel Ugarte, da University Tennesse Agricultural Policy Analysis Center, dos EUA, disse que escuta, o tempo todo, “as reclamações sobre o estrago que a política agrícola dos EUA e dos países do Norte faz sobre a agricultura do Sul, mas é preciso examinar e distinguir as causas e propor alternativas”.
Ele explicou que, em meados da década de 80 e início dos anos 90, os agricultores norte-americanos, que haviam sido capacitados tecnologicamente para incrementar sua produtividade, foram incentivados pelo governo dos EUA a empregar ao máximo sua plena capacidade de produção. Havia 15 milhões de acres que foram disponibilizados aos agricultores para serem incorporados às suas terras e à produção agrícola do país.
Com a adoção dessa política e sem o embasamento da gestão de produção, os EUA passaram a produzir excedentes agrícolas, que puxaram os preços para baixo em cerca de 65% entre os anos de 1995 e 2000. Ao mesmo tempo, o consumo não registrou acréscimo, o que demonstra que a demanda não reage aos preços.
Para Ugarte, a solução para uma política de preços justa “está no gerenciamento da oferta, nos países desenvolvidos, e não na liberalização do comércio, como reivindicam os países em desenvolvimento”.
O holandês Nieck Koenig, da University of Waggeningen, em contraponto às colocações do norte-americano, lembrou que as sugestões aos agricultores, especialmente na crise das commodities, nos anos 80, foram sempre para que diversificassem suas economias e melhorassem a qualidade de suas produções, mas a solução não está aí. Ele sugeriu o controle de preços das commodities,como propôs a United Nations Conference on Trade and Development (Unctad), em 1976.
Para Koenig, a Unctad deve incentivar as organizações internacionais a apoiar os preços das commodities básicas e lembrou que “a instituição nasceu da necessidade de se fazer esses acordos e, com a queda dos mesmos, a Unctad passou a ficar à sombra da OMC”, que hoje gere as regras dos acordos comerciais agrícolas internacionais.
O holandês também aposta no mercado flexível, em que a produção agrícola passe a ser auto-sustentável. Ele sugeriu a adoção de uma taxa de exportação, que poderá ser empregada na compra da produção excedente com o objetivo de regular o estoque e reduzir a oferta global. Depois de um determinado período essa taxa de exportação, segundo Koenig, poderá ser reduzida e redistribuída entre os agricultores — do países desenvolvidos para os menos desenvolvidos.
A agricultura no Brasil
Adriano Campolina, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), deu um panorama geral da agricultura brasileira, que, segundo ele, “deve ser dividida em duas categorias: a familiar e a latifundiária, o que gera uma profunda desigualdade no campo”.
A agricultura familiar no Brasil responde por 85% da produção nacional, 30% da renda do setor, 20% de acesso ao crédito rural e 40% do valor bruto de produção. Os números deixam claro as diferenças da agricultura nacional.
De acordo com o representante da Rebrip, embora o Brasil seja considerado no panorama mundial como uma potência agrícola, vários fatores contribuíram para que, na última década, a agricultura familiar viesse a enfrentar sérios problemas: abertura comercial unilateral promovida pelo governo brasileiro no início dos anos 90; as regras injustas adotadas na OMC para a agricultura, nesse mesmo período, enquanto os EUA e a União Européia (UE) conseguiram manter as práticas mais flexíveis anteriormente adotadas pelos países; política de valorização cambial do Real em relação ao dólar, facilitando o fluxo das importações.
A conseqüente queda nos preços dos produtos agrícolas e a política de juros altos, adotada pelo governo brasileiro, contribuíram ainda mais para ampliar a desigualdade no campo, já que os créditos para a agricultura familiar foram taxados em 40.79% ao ano, enquanto os grandes produtores rurais (ou patronais) foram taxados em 20% ao ano.
Dentro desse panorama, a agricultura brasileira e todo o seu potencial exportador experimentaram, na década de 90, um crescimento da importação de produtos agrícolas da ordem de 10% por ano, em média; as exportações, nesse período, ficaram em torno de 7% ao ano.
Foi uma década de perdas, que marcou a extinção de um milhão de produtores agrícolas familiares no Brasil.
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