Numa iniciativa inédita no Brasil – que possibilitará, pela primeira vez, mesurar o impacto dos alimentos geneticamente modificados sobre o meio ambiente – a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deu início nesta terça-feira (4) aos testes de biossegurança com uma variedade transgênica de feijão. O feijoeiro geneticamente modificado (Phaseolus vulgaris L) é resistente ao vírus conhecido como mosaico dourado, uma das principais pragas que afetam a cultura do feijão no país. Os testes – que foram aprovados previamente pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – estão sendo usados pelo governo como argumento contra alguns setores da comunidade cientifica que, após a polêmica envolvendo o Projeto de Lei da Biossegurança enviado ao Congresso, o acusam de ser contra o desenvolvimento de pesquisas nessa área.
A Licença de Operação para Áreas de Pesquisa (Loap) com o feijão transgênico foi concedida pelo Ibama no dia 12 de março, através de decreto do presidente do órgão, Marcus Barros. No dia seguinte, o cultivo experimental foi iniciado, sob a coordenação das unidades de Arroz e Feijão e de Recursos Genéticos da Embrapa, na cidade de Santo Antonio de Goiás (GO), a doze quilômetros de Goiânia. Foram plantados cerca de mil e quinhentos pés de feijão convencional e transgênico, que agora começam a ser coletados para a realização de análises comparativas nos laboratórios da empresa.
Os pesquisadores da Embrapa querem saber se o feijoeiro transgênico pode se tornar uma planta invasora e se é agressiva com o meio ambiente. A planta deve ser resistente somente ao mosaico dourado, não causando impacto sobre os demais microorganismos e animais do solo. Se houver prejuízo a essas populações, isso significará que houve erro na manipulação genética da planta. Outro fator a ser avaliado na pesquisa é a capacidade de fixação de nitrogênio do feijoeiro transgênico. Se a planta for deficiente nesse quesito, precisará de mais adubo nitrogenado no cultivo e se tornará menos atrativa economicamente.
Transmitido pela mosca branca, o vírus do mosaico dourado é atualmente a principal praga do feijão em diversas regiões de plantio no país e é capaz de acabar com 100% de uma plantação. Ao entrar na planta, o vírus a obriga a produzir uma enzima que possibilita sua reprodução e termina por matar o feijoeiro. Os pesquisadores conseguiram introduzir na planta um gene modificado da enzima que o vírus a obriga a produzir. Com isso, mesmo quando infectada pelo mosaico dourado, o feijoeiro considera que já tem um nível suficiente da enzima e não a produz mais, impedindo a reprodução do vírus. Atualmente, os agricultores só conseguem combater o mosaico dourado através da aplicação maciça de agrotóxicos, solução que é cara e agride o meio ambiente.
Testes nos próximos três anos
A licença concedida pelo Ibama tem validade de três anos, período em que a Embrapa vai finalizar estudos de segurança alimentar e de viabilidade comercial do feijão transgênico. A empresa desenvolveu três linhagens de feijão (preto, carioca e talo), e o objetivo é saber qual terá melhores resultados no campo. Quando o período de pesquisas terminar, seus resultados serão apresentados à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) e ao Conselho Nacional de Biossegurança, que decidirão se o produto oferece riscos e se pode ou não ser comercializado no Brasil. Além do feijão, o Ibama concedeu também à Embrapa licença para realizar pesquisas com uma variedade de mamão geneticamente modificada. Resistente ao vírus da praga conhecida como mancha anelar, o mamão transgênico está sendo cultivado numa área com menos de um hectare na cidade de Cruz das Almas (BA).
O anúncio da realização de pesquisas com alimentos geneticamente modificados serve à vontade do governo de flexibilizar as regras e reduzir as dificuldades para o desenvolvimento científico do setor. O decreto 4996/03, publicado no Diário Oficial em janeiro deste ano, estabeleceu as regras para o acesso ao patrimônio genético, tendo como objetivo tornar a legislação mais clara. O objetivo do governo é evitar que as instituições – sobretudo os órgãos ambientais – sejam prejudicadas e vejam seus programas atrasados por excesso de burocracia. Após o decreto, o Ibama anunciou novas regras, simplificadas, para a realização de pesquisas com organismos geneticamente modificados em laboratório: “O Ibama não é obstáculo ao desenvolvimento e a tecnologia. Nossa tarefa é cuidar do meio ambiente, mas não temos vocação para atrapalhar o avanço da ciência”, afirmou o presidente do órgão, Marcus Barros.
Embrapa é palco de disputa
Desde o começo do governo Lula, a Embrapa se tornou um dos principais palcos da batalha entre os partidários das distintas visões sobre a questão dos transgênicos defendidas respectivamente pelos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Alguns pesquisadores da empresa se rebelaram contra o que consideraram um desmonte dos antigos quadros pela nova administração petista e denunciaram estarem sendo coagidos a se dedicar exclusivamente a pesquisas sobre agricultura familiar, abandonando as pesquisas voltadas para o agronegócio. Um dos pivôs da crise foi o ex-chefe do Centro de Recursos Genéticos e Biotecnologia da empresa, Luiz Antonio Barreto Castro, exonerado pela nova administração após ter sido alvo de denúncias e da campanha “Fora Barreto” por parte do sindicato dos servidores da Embrapa.
Atualmente, além das unidades de Arroz e Feijão e de Recursos Genéticos e Biotecnologia, a Embrapa conta com as unidades de pesquisa para Gado de Corte (Campo Grande - MS), Pecuária Sul (Bagé – RS), Algodão (Campina Grande – PB), Trigo (Passo Fundo – RS), Soja (Londrina – PR), Uva e Vinho (Bento Gonçalves – RS), Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas – BA), Cerrados (Planaltina – DF), Semi-árido (Petrolina – PE), Amazônia Ocidental (Manaus – AM), Amazônia Oriental (Belém – PA) e Agrobiologia (Seropedica - RJ).
Fonte: Agência Carta Maior
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