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sexta-feira, fevereiro 13, 2004

O solo tem vida, sim!

Ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, o solo não é um ambiente inerte, sem vida. Estimativas feitas para ecossistemas temperados indicam que em 1 metro quadrado de solo pode-se encontrar mais de 1 milhão de indivíduos, entre os quais observam-se mais de 200 espécies de artrópodes e até 1000 espécies de animais do solo em geral. Por sua vez, estima-se que o número de artrópodes presentes na serapilheira (camada de folhas em diferentes estágios de decomposição depositada sobre o solo) e no solo nas florestas tropicais seja 5 vezes maior do que o encontrado nas copas das árvores. Assim, alguns autores chegam a supor que o sub-sistema decompositor (serapilheira + solo) seja um dos maiores reservatórios de diversidade biológica da biosfera.
Entre os processos que ocorrem no solo, a decomposição é considerada como um processo chave, pois disponibiliza nutrientes (mineralização) para o crescimento das plantas. Além disto, com a formação de colóides de carga negativa (humificação), a decomposição também aumenta a capacidade do solo de reter cátions trocáveis, como o cálcio e magnésio.
Os microrganismos são os principais agentes da ciclagem de nutrientes, pois são capazes de digerir quase a totalidade dos substratos encontrados no solo, incluindo compostos orgânicos complexos encontrados no material vegetal como, por exemplo: celulose, lignina, suberina e outros. Em adição ao seu papel como decompositores primários, são responsáveis por transformações mais específicas dos nutrientes no solo que incluem todas as transformações do nitrogênio, a mineralização e a solubilização do fósforo, a oxidação, a redução e a precipitação do ferro, entre outras. Através de associações simbióticas (bactérias fixadoras de nitrogênio atmosférico e micorrizas) atuam também aumentando a eficiência na aquisição de água e nutrientes para as plantas.
No entanto, diversos trabalhos têm demonstrado que a atividade dos microrganismos e, conseqüentemente, a decomposição da matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes são grandemente influenciadas pela ação de uma comunidade diversa de invertebrados do solo como resultado direto ou indireto de suas atividades alimentares.
Alguns grupos da fauna do solo alimentam-se fundamentalmente de microrganismos e através da assimilação dos tecidos microbianos e excreção de nutrientes minerais podem alterar as taxas de decomposição e a ciclagem de nutrientes. Podem atuar também como dispersores de inóculos, controlando através destes dois processos a abundância e a atividade dos microrganismos no solo.
Existem também algumas espécies de organismos do solo que se alimentam de tecido vegetal em decomposição, contribuindo para a fragmentação da matéria orgânica e deposição fecal. Estes organismos fragmentam o material vegetal, não somente através de sua atividade alimentar, mas também devido a sua intensa movimentação na superfície do solo, levando a uma redução no tamanho de suas partículas. Como resultado, observa-se uma maior exposição de sítios favoráveis à colonização microbiana.
Além disto, o trato digestivo de animais do solo atua como uma cultura contínua estimulando o crescimento de colônias de bactérias. Na realidade os recursos alimentares utilizados por estes organismos não são estéreis e os microrganismos presentes no material foliar podem ser uma complementação nutricional valiosa para eles. Adicionalmente, como os invertebrados do solo raramente são capazes de digerir carboidratos complexos, lignina, compostos fenólicos ou húmus, que são a maioria dos recursos disponíveis na serapilheira e solo, a presença em seu trato intestinal de bactérias capazes de digerir tais substratos torna-se uma alternativa altamente vantajosa. Para algumas espécies da fauna do solo, tem sido observado um número de bactérias no trato intestinal similar ao encontrado no rúmen de vertebrados, que dependem unicamente da atividade microbiana para digestão do alimento.
O consumo do material vegetal da serapilheira e sua transformação em fezes ou coprólitos também pode alterar de forma marcada a ciclagem de nutrientes. Os diplópodes - também conhecidos como gongolos ou piolhos-de-cobra - podem consumir até 11,4 toneladas de material em decomposição em áreas de Mata Atlântica. Em florestas africanas, estima-se que estes artrópodes sejam capazes de produzir 64,9 g por metro quadrado por ano de fezes, consumindo o equivalente a 38,6 % da queda anual do material formador de serapilheira.
Mas não é apenas na decomposição que atuam os organismos do solo, pois estes também alteram marcadamente características físicas do mesmo. Como exemplo, a movimentação de alguns grupos, como: besouros, minhocas, cupins e formigas, leva inicialmente a um aumento na porosidade dos solos e conseqüentemente na capacidade de retenção de água e troca de gases. Dada a sua capacidade de modificação do ambiente, estes grupos citados anteriormente foram inclusive apelidados de “engenheiros do ecossistema”, pois são capazes de alterar a agregação e estruturação do solo. Eles podem atuar transferindo ou concentrando matéria orgânica e nutrientes no perfil do solo e também se mostram capazes de alterar a proporção de argila, areia e silte modificando temporal e espacialmente o solo.
Assim, devido à estreita associação da comunidade da fauna com os processos que ocorrem no sub-sistema decompositor e a sua grande sensibilidade a interferências no sistema, alterações na composição de espécies e na abundância relativa dos invertebrados do solo constituem-se bons indicadores de mudanças no sistema.
Por estes motivos algumas Unidades da Embrapa têm investido no desenvolvimento de pesquisas voltadas ao uso de invertebrados do solo como indicadores de alterações e/ou de qualidade do solo. Mais recentemente, com a aprovação do projeto “Fauna do solo: um recurso a ser manejado em sistemas de plantio direto no Brasil?”, estaremos tentando identificar a viabilidade do uso da fauna do solo como um recurso passível de ser manejado. Espera-se assim, otimizar processos como a decomposição, ciclagem de nutrientes e formação de agregados estáveis, como conseqüência do incremento na atuação dos grupos que desempenham funções chave nos sistemas de plantio direto. Este projeto, liderado pela Embrapa Agrobiologia, terá atuação em Roraima e em outros estados aonde o sistema de plantio direto vem se firmando como uma alternativa sustentável para a produção de soja e milho.


Patricia Costa
Bióloga – Pesquisadora da Embrapa Roraima

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