O presidente foi "premiado" na manhã desta sexta-feira (13/2) como pior traidor das políticas de conservação da biodiversidade por autorizar o plantio de soja transgênica, pelo risco de ameaçar o Cerrado e a Amazônia à plantação extensiva de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e por ter se posicionado a favor de testes com os GURTS (sigla em inglês) – Tecnologias de Uso Genético Restrito -, rejeitadas por ONGs e movimentos indígenas pelos impactos que podem provocar sobre a agrobiodiversidade e comunidades tradicionais.
Com ampla audiência, o o Prêmio Capitão Gancho de Biopirataria ao presidente Lula foi anunciado em um megafone por um integrante da Coalização contra a Biopirataria vestido de pirata nesta sexta-feira (13/2), durante a 7ª Conferência das Partes da Convenção (COP-7) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que acontece em Kuala Lumpur, na Malásia.
Além do governo brasileiro, foram "premiados", entre outros, o governo dos Estados Unidos por promover a exploração comercial da biodiversidade em parques nacionais e por ser campeão de patentes de recursos biológicos; a Monsanto por patentear uma variedade tracional de trigo indiano e seus produtos derivados; o Projeto HapMap, uma variação do Projeto Genoma com coleta e sequenciamento do DNA de povos tradicionais da Nigéria, China, Japão e outros países, desenvolvido por diversos cientistas do primeiro mundo; e a empresa holandesa Soil & Crop Improvement por ter negociado com o governo da Etiópia o patenteamento de um cereal tradicional da dieta dos etiopes e por propor que os benefícios fossem revertidos no patenteamento de novas variedades.
A adoção ou não dos GURTS (sigla em inglês) – Tecnologias de Uso Genético Restrito - pelos países signatários da CDB, cujo posicionamento favorável do Brasil rendeu ao presidente Lula o Prêmio Capitão Gancho de Biopirataria é um dos temas mais quentes da COP-7.
Para estudar os potenciais impactos dessas tecnologias, que envolvem a adoção de sementes terminator (modificadas geneticamente para se tornarem inférteis) sobre o conhecimento tradicional dos povos indígenas, um grupo de peritos reuniu-se a partir de fevereiro de 2003.
Em dezembro do ano passado, durante uma reunião de Grupo de Trabalho (GT) sobre Acesso e Repartição de Benefícios da CDB, os peritos apresentaram um relatório sobre o tema no qual apontam que a adoção dessas tecnologias poderia causar erosão do patrimônio genético da agricultura tradcional dos povos, perda de agrobiodiversidade, aumento da dependência dos povos indígenas e comunidades locais em relação a empresa de sementes e insumos e maior concentração de poder no mercado de agricultura.
Na mesma reunião, o Brasil apresentou uma proposta a liberação dos GURTS para testes de campo, defendida particularmente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério da Agricultura, sendo criticado por povos indígenas e países europeus.
Fundamentadas no relatório dos peritos, ONGs e movimentos indígenas articulam-se para pressionar a proibição dos GURTS durante a COP-7. As delegações da Filipinas e Quênia propuseram o banimento definitivo dessas tecnologias, enquanto a do Egito definiu os GURTS como “crime contra a Humanidade”.
Ironicamente, a delegação brasileira havia sido responsável no início da COP-7 pela apresentação de uma proposta de que seja criada uma iniciativa global sobre biodiversidade e nutrição como um tema transversal no âmbito do Programa de Trabalho sobre Agrobiodiversidade da CDB.
Idealizada por Paulo Kageyama, Diretor de Biodiversidade da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, a proposta foi bem recebida por diversas delegações. As iniciativas globais são propostas que, se aprovadas, podem vir a ser transformadas em programas de trabalho da convenção.
Ontem (12/2), integrantes da delegação oficial brasileira fizeram um relato sobre a implementação de pontos da Convenção sobre Diversidade Biológica no país. Maria Angélica Ikeda, do Itamaraty, falou sobre o projeto de lei (PL) de acesso a recursos genéticos e proteção dos conhecimentos tradicionais, uma das prioridades da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, atualmente sob a apreciação da Casa Civil. Foi ressaltado que o processo de elaboração do PL contou com a abertura para a participação “ampla e irrestrita” de povos indígenas e comunidades locais, apesar da carência de recursos para consultá-los adequadamente.
A delegação brasileira informou também sobre a participação indígena na Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) e no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), e como integrantes da delegação oficial brasileira em fóruns internacionais, como é o caso da COP-7 - integrada pela advogada Lúcia Fernanda Jófej Kaingang, diretora-executiva do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI), e pelo biólogo Carlos Durigan, diretor da Fundação Vitória Amazônica (FVA) e representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Brasil posicionou-se ainda contrário a adoção do termo “promover o uso de conhecimentos tradicionais”, para que seja evitado o enfoque mercantilista sobre o assunto.
ISA, Fernando Baptista, de Kuala Lumpur, 13/2/2004.
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