Parecer de Aldo Rebelo fortalece CTNBio e Conselho de Ministros, transferindo do Ibama para o colegiado de cientistas a competência para determinar se transgênicos causam degradação do meio ambiente.
O que os ambientalistas temiam foi confirmado: o líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB/SP), retirou do projeto da nova Lei de Biossegurança o poder de veto sobre a liberação do plantio, produção e comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM ou transgênicos) que a proposta original do governo conferia aos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos Ministérios do Meio Ambiente, Saúde e Agricultura e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca. A proposta substitutiva do relator fortalece a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), dando ao primeiro poder absoluto para liberar pesquisas e decidir sobre importação de OGM ou derivados destinados a pesquisas, e ao segundo a prerrogativa exclusiva de liberar a comercialização de transgênicos e revogar liberações de pesquisas autorizadas pela CTNBio.
“Infelizmente, o relator feriu o núcleo da proposta do governo. Se esse projeto não for retirado da pauta da convocação extraordinária, será uma desmoralização para toda a discussão feita antes, dentro do próprio governo”, protestou o deputado João Alfredo (PT/CE). A principal reclamação é pelo fato de Rebelo ter alterado a Lei que dispões sobre a Política Nacional de Meio Ambiente (6938/81), transferindo do Ibama para a CTNBio a competência para identificar atividades relacionadas a Organismos Geneticamente Modificados (OGM), potencialmente danosas ao meio ambiente, que necessitam de estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) prévios para serem autorizadas, conforme determina a Constituição.
Euforia dos ruralistas
Para euforia da bancada ruralista, que considera o Ibama um entrave ao aumento da produtividade no campo, o relator considerou que a Constituição não atribui a um órgão específico a competência para determinar as atividades potencialmente causadoras de “significativa degradação do meio ambiente”. “A ordem constitucional está dirigida ao Poder Público de modo indistinto, genérico, não apontando repartição, órgão ou autoridade do Poder Público investido dessa competência. (...) Concluímos, desta maneira, que pode o Congresso Nacional, por força de dispositivo constitucional e em juízo de avaliação política, criar a CTNBio e a ela atribuir a competência em matéria de biossegurança ambiental, deliberando que cabe a ela deliberar, no caso específico de OGM, que atividades podem causar significativa degradação do meio ambiente, exigindo assim a realização do estudo de impacto ambiental, previsto na Constituição Federal e na legislação ambiental genérica”, argumenta o relator, no parecer apresentado nesta terça à Comissão Especial da Câmara que analisa o projeto.
Rebelo disse que não inovou no substitutivo, apenas compatibilizou a legislação brasileira sobre pesquisas biotecnológicas e genéticas às da União Européia, dos EUA, de Cuba, da China e da Índia, dando aos pesquisadores o máximo de facilidades para capacitar o Brasil a competir com esses países nesse campo. Mas assegurou que não abriu mão dos cuidados com a saúde pública e a defesa e proteção do meio ambiente, além das preocupações com a defesa da soberania nacional e alimentar do país. E quanto ao enfraquecimento dos órgãos de registro, como o Ibama e a Anvisa, que perderam o poder de veto? “A responsabilidade social do veto diminui ou aumenta se levarmos a decisão para o Conselho de Ministros?”, questiona o relator.
O parecer foi bem recebido pelos setores que criticaram o projeto do governo. O líder do PPS, Roberto Freire (PE), mudou radicalmente de opinião. O que era um “retrocesso” passou a ser “avanço”. A bancada ruralista não economizou elogios ao relator. “Todos nós aqui devíamos elogiar o relator, pelo seu bom senso, sua coragem de enfrentar uma platéia como essa. Ele não favoreceu ninguém”, afirmou o líder do PFL na Comissão, Abelardo Lupion (PR), que pediu vista ao projeto para acelerar o processo de deliberação. Com isso, a comissão só volta a se reunir oficialmente na próxima terça (27), quando começa a discussão do parecer, que ainda pode ser alterado.
Desconfiança dos radicais Por outro lado, os deputados vinculados a correntes socialistas ficaram incomodados. Sem uma avaliação concreta do Ministério do Meio Ambiente, eles evitaram confrontar o relator, que é do mesmo campo político, mas manifestaram sua desconfiança. “Quando uma vela muito grande é acesa por um lado, é porque o milagre foi ruim para o outro”, analisou Luci Choinacki (PT/SC). “A euforia da bancada ruralista me deixa muito preocupado e deveria deixar o senhor também, senhor relator”, advertiu Ivan Valente (PT/SP), recomendando que o parecer final encontre um equilíbrio entre as forças políticas com visões diferentes sobre o assunto.
Rebelo avalia que esse equilíbrio está assegurado em outras mudanças que fez no projeto, como a criação do Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento da Biotecnologia para Agricultores Familiares (FIDBio) para financiar pesquisas com objetivo de aumentar a produtividade dos pequenos e médios produtores rurais e financiar estudos de análise de risco dos OGM no meio ambiente e na saúde humana. Esse fundo seria capitalizado, principalmente, com recursos de uma contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização e importação de sementes e mudas de cultivares geneticamente modificadas (Cide-OGM), que teria alíquota de 1,5% sobre o valor final das transações.
Principais modificações do relator no projeto da Lei de Biossegurança:
1- Retira o poder de veto dos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos ministérios do Meio Ambiente, Saúde e Agricultura e da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, fortalecendo a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS);
2- Transfere do Ibama para a CTNBio a competência para identificar atividades relacionadas a Organismos Geneticamente Modificados (OGM), potencialmente danosas ao meio ambiente, que necessitam de estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) prévios para serem autorizadas;
3- Confere poder absoluto para a CTNBio liberar pesquisas e decidir sobre importação de OGM ou derivados destinados a pesquisas;
4- Modifica a composição da CTNBio, exigindo de todos os integrantes o nível de doutorado: o número de especialistas de notório saber científico e técnico sobre de 10 para 12, sendo três da área de saúde humana, três da área animal, três da área vegetal e três da área ambiental (a área de ciências sociais perde os dois representantes que teria no projeto original); a indicação desses especialistas deixa de ser do CNBS e passa para o Ministério de Ciência e Tecnologia; além dos ministérios de Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Desenvolvimento, Segurança Alimentar e Secretaria Especial da Pesca, o Ministério da Defesa passa a ter assento na CTNBio; a representação da sociedade civil é reduzida de oito para seis integrantes, que não serão mais indicados por instituições legalmente constituídas - terão de ser especialistas indicados pelos ministérios da Justiça, Saúde, Meio Ambiente, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Trabalho; reduz o quórum de deliberação de maioria qualificada (mínimo de 17 votos) para maioria simples;
5- As decisões técnicas da CTNBio sobre biossegurança serão definitivas e só poderão ser revogadas por decisão política do CNBS se o parecer for favorável;
6- Aos órgãos de registro (Ibama, Anvisa e secretarias de defesa animal e vegetal) só caberá a fiscalização das pesquisas;
7- Aumenta de 11 para 14 os Ministérios integrantes do CNBS, agregando Defesa, Fazenda e Planejamento;
8- Caberá ao CNBS a decisão sobre a liberação comercial de OGM;
9- Libera a pesquisa científica e o estudo das células-tronco;
10- Convalida as decisões anteriores da CTNBio (inclusive a que liberou o plantio da soja transgênica Roundup Ready, da Monsanto, em 1998);
11- Cria o Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento da Biotecnologia para Agricultores Familiares (FIDBio) para financiar pesquisas em plantas utilizadas predominantemente por agricultores familiares, em produtos e insumos de uso dessa categoria de produtores e para realização de estudos de análise de risco dos OGM no meio ambiente e na saúde humana;
12- Institui a contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização e importação de dementes e mudas de cultivares geneticamente modificadas (Cide-OGM), com alíquota de 1,5% sobre o valor final das transações;
13- Incorpora à nova legislação os crimes e penas previstos na atual Lei de Biossegurança (8974/95), revogando-a inteiramente.
Fonte: Agência Carta Maior
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